15 de Julho de 2020
  • Correio do Povo
  • Artigo
  • P. 2
  • 28.00 cm/col

Convicções em tempos de incerteza

Mauro Fiterman - Advogado, escritor e professor da Escola de Direito da PUCRS

Uma terrível pandemia e uma sociedade dividida, eis um resumo do que se diz do Brasil de hoje em jornais, rádios e TVs. Isso, por si só, já não é uma boa notícia; afinal, num momento tão difícil e, sem exagero, para muitos até mesmo desesperador, parece claro que a maior possibilidade de sucesso no enfrentamento desse real e maior problema seria fruto de consensos e de alguma harmonia. Entretanto, há uma notícia pior: a divisão da sociedade antes referida dá conta de um traço assustador, que é a mais absoluta e plena convicção de que as pessoas têm acerca das suas razões, razões essas que sustentam o permanente conflito. Exatamente isso, no espaço único de incerteza em que vivemos, os indivíduos conseguem ter convicções rígidas e intocáveis acerca de temas que estão, notadamente, em aberto, em especial os temas médicos.

Nos debates existentes, muito se observa imputação disso tudo aos aspectos políticos da atualidade, com ênfase à tão propalada polarização existente no país. Não se nega o componente desse aspecto, mas, infelizmente, na maioria das vezes, fica transparente que, por detrás da convicção, existem interesses pessoais, ou seja, ela se desenha e se efetiva por uma via que não é a melhor: a via do individualismo. Uma convicção que está a serviço dos interesses pessoais de cada um. Ainda que se admita existir espaço para firmar convicções a partir de razões íntimas, é evidente que existem limites morais. Tudo isso é muito preocupante, em especial na análise do ponto de vista ético da nossa sociedade, pois estamos falando de mortes e de vidas. Não nos esqueçamos da lição de Paul Valéry: “Uma convicção é sólida quando resiste à consciência”. Durma-se com isso.