07 de Março de 2019
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Polícia Civil investiga possível fraude na CRM

Policiais cumpriram 10 mandados de busca e apreensão na sede da companhia

/POLÍCIA CIVIL/DIVULGAÇÃO/JC
Jefferson Klein
A manhã desta quinta-feira foi surpreendente para os funcionários da Companhia Riograndense de Mineração (CRM), que possui sede no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. A estatal foi o centro da Operação Cinerum (cinzas, em latim) desencadeada pela Polícia Civil para investigar a possível prática de crimes de fraude licitatória e associação criminosa que prejudicaram os cofres da empresa. Em torno de 50 policiais cumpriram 10 mandados de busca e apreensão na sede da companhia e em outros nove endereços residenciais e empresariais nos municípios de Alvorada, Butiá, Charqueadas, Minas do Leão e Porto Alegre.
O delegado responsável pela investigação, Max Otto Ritter, revela que a denúncia de anormalidades chegou à Polícia Civil em 2017, através de relatório da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), um órgão de controle interno do governo, que apontou irregularidades na contratação do transporte de cinzas oriundas do carvão. Esse resíduo é resultado da queima do mineral na usina de Candiota, para a qual a CRM fornece o combustível e é responsável pela destinação adequada das cinzas. Ritter cita o caso de uma contratação emergencial, que aconteceu em 2012, quando quatro empresas responderam a uma consulta de preços formulada pela CRM para prestar esse serviço.
A companhia que ganhou a disputa, repentinamente, acabou desistindo do contrato, e as que ficaram em segundo e terceiro lugares teriam os mesmos sócios e sedes físicas, logo os preços dessas empresas poderiam ter, em tese, sido combinados previamente, supõe o delegado. A quarta colocada, segundo Ritter, não teria seu foco de atuação no trabalho que motivou a contratação.
O delegado salienta que outros aspectos compuseram o relatório da Cage e que o Tribunal de Contas do Estado, tendo auditado a CRM, entre 2012 e 2014, verificou que os preços que foram pactuados nas contratações envolvendo o transporte de cinzas seriam, possivelmente, superfaturados. Outra questão é que o caráter emergencial para contratar o serviço teria sido improcedente. Ainda causa estranheza que o acordo firmado previa a remuneração da empresa contratada por hora trabalhada e a auditoria indica que as horas informadas não condizem com a realidade. Ritter destaca que a atual direção da CRM informou que modificou esse critério ao longo do tempo, passando a remunerar o prestador de serviço por peso do material que seria transportado.
Conforme o delegado, estão inseridos dentro dos relatórios da Cage e dos apontamentos do Tribunal de Contas outras falhas e irregularidades, mas o objeto do inquérito policial é o transporte de cinzas. Ritter diz que, se forem somados todos os exercícios financeiros de 2012 a 2016, o possível superfaturamento pode chegar a cerca de R$ 9 milhões, que precisariam ser devolvidos aos cofres públicos. Com os materiais apreendidos na quinta-feira, a polícia investigará se houve conluio entre empresários participantes das disputas pelos contratos do transporte das cinzas e eventual participação de alguém dentro da CRM. Por enquanto, a Polícia Civil não está divulgando os nomes das empresas e das pessoas que estão sendo investigadas.


Leite cita dificuldades para gerenciar empresa pública
Patrícia Comunello
O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), afirmou, nesta quinta-feira, que a operação que investiga fraude em contratos da CRM "escancara as dificuldades para gerenciar uma empresa pública". Leite evitou associar os fatos que envolvem a Operação Cinerum com eventual impacto favorável à proposta do governo de privatizar a estatal que depende de aprovação na Assembleia Legislativa (AL). Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tramita na AL remove da Constituição Estadual a exigência de plebiscito para a alienação do capital da CRM. A medida atinge, ainda, CEEE e Sulgás.
Logo que veio à tona a ação da Polícia Civil que fez buscas na sede da empresa em Porto Alegre, o governador passou a buscar mais detalhes. Leite se limitou a avaliar a condição de empresas de origem pública e quanto pode haver risco ou maior exposição a irregularidades. O governador lembrou que a CRM foi vítima de empresas de fora do negócio.
"Qual é o grande argumento para uma empresa estatal: se for bem gerenciada, dá lucro. Só que é difícil ser bem gerenciada com todas as amarras que tem a administração pública, como a dificuldade de escolha das pessoas, na falta de continuidade administrativa porque troca o governo, questões de licitação e concurso público. Tudo é muito difícil para gerenciar bem. Aí, eventualmente, surgem problemas como esse", observa Leite.
"Não estou pensando em usar isso como argumento para reforçar (a privatização), mas, sem dúvida nenhuma, escancara as dificuldades que é gerenciar uma empresa pública", arrematou o governador.
O atual governo promete mais rigor com estatais. Uma unidade sobre estatais, vinculada à Secretaria Estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), foi criada para acompanhamento das empresas, com monitoramento de gestão, dados, relatórios e funcionamento geral das empresas, desde as que estão na mira da privatização até o Banrisul - que é a mais valiosa e onde o Estado tem controle acionário - e outras estatais - entre elas, a Corsan. "O grupo foi criado para identificar os números e tomar decisões baseadas em evidências, e vai garantir rigor técnico para avaliar a conveniência de se ter ou não a estatal."


Estatal busca o ressarcimento de valores pagos indevidamente

A operação de apreensão de documentos pela Polícia Civil pegou os integrantes da CRM de surpresa, admite o atual presidente da estatal, Aldo Meneguzzi Junior. No entanto, o assunto já era de conhecimento da direção da companhia, afirma. O dirigente ressalta que, ao longo do segundo semestre de 2018, a Cage e o Tribunal de Contas já haviam sinalizado a existência de irregularidades ocorridas no passado e recomendavam que a empresa buscasse ressarcimento. "Já desde o segundo semestre do ano passado, estamos usando os mecanismos legais de busca de ressarcimento desses valores", frisa.
De acordo com Meneguzzi Junior, o contrato que está em vigor para o transporte de cinzas está normalizado e não precisa ser interrompido. "O que eu posso dizer é que se irregularidades aconteceram foram no passado, na gestão anterior ao governo Sartori", ressalta. Segundo o dirigente, se houve anormalidades, ocorreram no período de comando do ex-presidente da CRM Elifas Simas (mandatário da CRM durante o governo Tarso Genro).
Procurado pela reportagem do Jornal do Comércio, Simas comentou que ainda não foi notificado oficialmente sobre a operação e não se pronunciará até ter conhecimento da ação. Em 2018, o Tribunal de Contas considerou regular a prestação de contas do exercício de 2014 de Simas à frente da CRM, porém com ressalvas, e determinou ao ex-dirigente o ressarcimento de
R$ 200 mil aos cofres públicos. Simas exerceu o comando da CRM de 2011 até 2015, sendo sucedido por Edivilson Brum, que permaneceu até junho de 2018, dando lugar a Meneguzzi Junior. Brum destaca que, na sua gestão, foi implementado um grupo de trabalho para elaborar uma nova modalidade de contração para o transporte de cinzas, adotando o critério por peso. O ex-dirigente enfatiza que, durante a sua gestão, não houve irregularidades.