27 de Março de 2019
  • GZH
  • Geral
  • 21 banner(s)

Ambientalistas e empresa discordam sobre riscos para instalação da maior mina de carvão do Brasil no RS

Segundo especialistas, extração do mineral próximo ao Rio Jacuí poderia comprometer abastecimento de água. Dona do empreendimento diz que novas tecnologias dão segurança

O processo de licenciamento da maior mina de carvão do Brasil, que poderá se instalar a 15 quilômetros de Porto Alegre, estimula debate sobre riscos e benefícios de se investir na extração e no uso desse mineral na Região Metropolitana.



A Mina Guaíba, a ser implantada entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, provoca críticas de ambientalistas por se localizar próxima ao Delta do Rio Jacuí, envolver desvios em cursos d'água e possíveis impactos na fauna e na flora. A empresa argumenta que novas tecnologias garantem a segurança do empreendimento, previsto para extrair 166 milhões de toneladas de carvão que dariam forma, em um segundo momento, a um polo carboquímico capaz de gerar até US$ 4,4 bilhões em investimentos.



Ministérios públicos Estadual (MP) e Federal (MPF) acompanham o caso. O MPF informa que o seu inquérito corre sob sigilo e, por isso, não pode fornecer informações. No MP, ação equivalente se desenrola desde agosto de 2016.



– Já fizemos duas recomendações de que fossem realizados mais estudos e se buscassem mais informações para orientar o licenciamento, o que teria sido acolhido. É um empreendimento de alto impacto ambiental porque afeta o meio físico, cursos de água, vegetação, habitações – afirma a promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente Ana Marchesan.



A empresa responsável, a gaúcha Copelmi Mineração, busca licença da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) desde 2014 para escavar a mina em uma área de 4,5 mil hectares – cerca de 120 vezes o Parque da Redenção. Já foram apresentados o estudo e o relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) e, em 14 de março, uma audiência pública reuniu centenas de participantes em Charqueadas. Entidades ambientalistas obtiveram liminar na Justiça Federal para cancelar o evento, mas a suspensão acabou cassada em segunda instância. A audiência faz parte do processo exigido para concessão da licença prévia – que reconhece a possibilidade do empreendimento se localizar em determinada área. Depois, ainda precisam ser emitidas as licenças de instalação (permite início das obras) e, por fim, de operação.



Ambientalistas afirmam que a exploração do carvão é poluente e questionam a localização – a 535 metros do Parque Estadual Delta do Jacuí e a 240 metros de área de preservação ambiental.



Na natureza, não existe 'circuito fechado'. A natureza é interligada por meio dos lençóis freáticos

MARCELO MOSMANN

ADVOGADO



– Custei a acreditar que estavam realmente pensando em implantar uma mina de carvão tão perto do Rio Jacuí. Isso representa ameaça até para o abastecimento de água na Região Metropolitana pelo risco de poluição – sustenta a ambientalista Maria Elisa Dexheimer Silva.



A Copelmi argumenta que a visão do carvão como elemento poluente é ultrapassada. Tecnologias atuais, conforme o diretor de Novos Negócios da empresa, Roberto Faria, garantem operação limpa. Faria afirma, por exemplo, que a água utilizada no processamento do carvão mineral circularia em circuito fechado – seria 100% reciclada e reutilizada. Além disso, o método de "lavra por tiras" permite enterrar os rejeitos nos próprios buracos abertos para extrair o mineral, que seriam depois recobertos – já usado em Butiá. Não haveria barragem como em Brumadinho.





A implantação da mina, que também forneceria areia e cascalho, exige rebaixamento do lençol freático e desvio de dois arroios, o Pesqueiro e o Jacaré. Também seria necessário reassentar aproximadamente 282 pessoas – agricultores do Assentamento Apolônio de Carvalho (onde se planta arroz orgânico) e moradores do loteamento Guaíba City, ambos localizados na área que seria escavada.



– Gostaríamos de ficar, mas, se for para sair, o ideal é que houvesse definição logo – afirma o comerciante Alberi Moreira, 51 anos.



A presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann, diz que ainda não é possível prever quando sairá uma decisão sobre a autorização:



– A tramitação está em fase de análise da licença prévia. Estamos olhando esse processo com toda a atenção devida.



Mina Guaíba: os argumentos de cada lado

Veja as principais alegações de ambientalistas ligados à Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá) e União Pela Vida, e a posição da Copelmi.



Risco de contaminação

O que dizem os ambientalistas

Ambientalistas como o biólogo Paulo Brack e o advogado Marcelo Mosmann sustentam que há risco de contaminação do entorno com metais pesados, além de eventual poluição atmosférica em razão das condições próprias do carvão. Brack sustenta que não foram bem esclarecidos eventuais riscos envolvendo metais como mercúrio, cádmio e chumbo, potencialmente danosos à saúde.



O que argumenta a empresa

A empresa sustenta que o processo de licenciamento busca justamente garantir a segurança do empreendimento. Afirma que não há mercúrio, cádmio ou chumbo envolvidos no processo. Os rejeitos contêm material chamado pirita, que inclui ferro, alumínio e manganês. Esses elementos devem ser depositados de volta no fundo das cavas abertas após a retirada do carvão, sobre rocha impermeável. Isso evitaria a dispersão dos rejeitos.



– Serão depositados nas cavas e cobertos. É como se fossem colocados em uma panela, e essa panela fosse tampada – afirma o gerente de Sustentabilidade Corporativa da Copelmi, Cristiano Weber.




O que dizem os ambientalistas

Os críticos ao projeto apontam que sua localização, a centenas de metros do Rio Jacuí, do parque estadual com mesmo nome, e de áreas de preservação, deveria ser considerada impeditivo para explorar carvão. Condenam a falta de alternativas à localização da mina. Outra preocupação é que uma eventual contaminação do Jacuí comprometa o abastecimento de água em áreas próximas como Porto Alegre.



– Na natureza, não existe "circuito fechado". A natureza é interligada por meio dos lençóis freáticos – afirma o advogado Marcelo Mosmann.



O que argumenta a empresa

Os responsáveis afirmam não ser possível escolher outra área porque é no Baixo Jacuí que o carvão se encontra em maior quantidade e melhor qualidade – condições obrigatórias para sustentar um polo carboquímico. Argumentam que a distância de pelo menos 240 metros das áreas preservadas é suficiente. Água remanescente da chuva que entre em contato com a mina deverá ser lançada no Jacuí nove quilômetros longe da área de preservação e após passar por tratamento. A Copelmi diz que a água utilizada diretamente na extração do carvão deve ser reciclada e circular em circuito fechado, sem ser despejada na natureza.



Pilha de material

O que dizem os ambientalistas

Os ambientalistas sustentam que o projeto prevê a deposição de materiais em uma grande pilha que chegaria a quase 30 metros de altura, alterando de maneira significativa a geografia da região – marcada por áreas úmidas e baixas e, por isso mesmo, favorável ao plantio de arroz existente hoje.



O que argumenta a empresa

A pilha receberia apenas o material inerte, sem potencial tóxico, como argila, areia e cascalho. Esse platô artificial seria, de fato, incorporado à geografia local. Mas, segundo os empreendedores, seria recoberto com vegetação, declividade suave e se reintegraria à paisagem natural.



Alto nível de impureza do carvão

O que dizem os ambientalistas

O biólogo Paulo Brack sustenta que o carvão existente no subsolo gaúcho é de baixa pureza, com mais de 50% de cinzas em sua composição (o que reduziria seu valor de mercado e aumentaria o potencial de poluição). Por isso, não seria matéria-prima adequada para exploração.



O que argumenta a empresa

Estudos indicam que, embora na região de Candiota o carvão tenha de fato cerca de 54% de cinzas, aquele localizado no Baixo Jacuí é de melhor qualidade, com 45%. Os empreendedores garantem que há tecnologia disponível para beneficiar esse material menos impuro e entregá-lo com algo em torno de 25% de cinzas, tornando-o competitivo em nível internacional.



Remoção de famílias e agricultores

O que dizem os ambientalistas

O empreendimento atinge, segundo o EIA-Rima, cerca de 282 pessoas entre moradores de um loteamento chamado Guaíba City e um assentamento vinculado ao Incra em que se planta arroz orgânico.



– Para a sociedade gaúcha, seria uma perda terrível prejudicar a maior produção de arroz orgânico do país para extrair combustível do século retrasado. Nem a China está mais seguindo o caminho do carvão – sustenta o advogado Marcelo Mosmann.



O que argumenta a empresa

As remoções não seriam necessárias agora, mas em um prazo de pelo menos sete anos. Por meio de negociações, seria possível indenizar ou realocar todos os envolvidos em áreas equivalentes. Eventuais transtornos seriam compensados pelo impacto estimado na economia gaúcha, com investimento inicial de R$ 400 milhões a R$ 600 milhões e 5,6 mil empregos diretos e indiretos. Argumenta que a China produz 80% da ureia e 78% do metanol a partir de carvão.



Pressa no licenciamento

O que dizem os ambientalistas

Entidades ambientalistas consideram que os estudos apresentados até o momento não atestam a segurança da mina e que a Fepam atropelou o processo ao convocar audiência pública antes de todas as informações complementares requisitadas serem apresentadas. Desejam a realização de audiência pública em Porto Alegre pelo risco que o empreendimento poderia trazer ao Jacuí e, consequentemente, ao Guaíba e ao abastecimento de água da Capital.



O que argumenta a empresa

A empresa argumenta que o processo tramita desde 2014 na Fepam e já passou por outros órgãos, como Incra, Iphan e Metroplan. É contrária à realização de audiência pública em Porto Alegre por considerar que o objetivo é causar tumulto em vez de discutir seriamente o processo, já que a Capital não se encontra na área de influência do empreendimento definida pelo EIA-Rima. A Fepam alega que a tramitação segue o ritual previsto e que a audiência pública é convocada quando a entidade já tem elementos suficientes para isso, e acrescenta que ela tem de ser realizada durante a análise do processo, e não ao final dele.