14 de Setembro de 2020
  • O Globo
  • Saúde
  • P. 8
  • 135.00 cm/col

Pediatras alertam para sintomas da Covid infantil

Estudo aponta que problemas gastrointestinais se juntam a respiratórios e podem indicar síndrome inflamatória multissistêmica, num quadro distinto do mais conhecido da doença; detecção precoce é crucial para evitar agravamento

RIO - Num momento em que as aulas são retomadas, pediatras brasileiros alertam para os sintomas da Covid-19 infantil a que os pais devem estar atentos. E eles não são apenas respiratórios, como se imaginaria, e a detecção precoce é fundamental para evitar o agravamento. Febre e problemas gastrointestinais — como dores abdominais, vômitos e diarreia — podem ser um sinal da forma grave da Covid-19 infantil, frisa Arnaldo Prata Barbosa, coordenador de pesquisa em pediatria do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor).

A Covid-19 raramente se agrava em crianças e adolescentes, e a maioria é assintomática. Eles respondem por menos de 2% dos casos sintomáticos de Covid-19. Porém, quando adoecem, podem ser acometidos pela chamada síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, mais conhecida pela sigla em inglês MIS.

— A mensagem é que os pais devem estar atentos não somente a sintomas respiratórios. Na MIS, sintomas gastrointestinais são mais comuns. Uma criança com febre e dor abdominal precisa ser avaliada para MIS, ter o coração examinado — salienta Barbosa.

Ele coordenou a primeira pesquisa nacional a descrever características e a evolução clínica de crianças com Covid-19 internadas em UTIs no Brasil. O estudo foi realizado por pesquisadores do Idor e de outras 13 instituições brasileiras, como Uerj, UFRJ, PUC-RS, hospitais da Rede D’Or, Hospital Sírio Libanês (SP), entre outros.

Os cientistas analisaram casos de 79 crianças e adolescentes, de 1 mês a 19 anos, internados em 19 UTIs pediátricas (sete de hospitais públicos e 12 privados) associadas à Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva Pediátrica nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará e Pará.

A MIS afeta vários órgãos, como coração, rins, fígado, intestino, cérebro, pele e baço. Atinge principalmente o coração. Microtrombos são frequentes. Trata-se de uma condição que pode levar à morte ou deixar sequelas.

A MIS é tão distinta do quadro característico de Covid-19 grave, no qual existe acometimento importante dos pulmões, que alguns médicos preferem chamar essa última de “Covid-19 clássica”, embora ambas as formas sejam conhecidas há menos de dez meses. A MIS representa cerca de 20% dos casos graves de Covid-19 em crianças.

Além de chamar a atenção para sinais da MIS, o estudo contesta dois aspectos da Covid-19 infantil apontados por pesquisas internacionais.

O primeiro é que bebês com menos de 1 ano correriam um maior risco de agravamento. Intitulada “Pacientes pediátricos com Covid-19 admitidos em Unidades de Terapia Intensiva no Brasil: um estudo prospectivo multicêntrico”, a pesquisa mostrou que os bebês não têm maior necessidade de ventilação mecânica (intubação) do que as crianças mais velhas.

O segundo é que as crianças apresentam fatores de risco de complicação diferentes daqueles associados ao agravamento da Covid-19 em adultos. As doenças prévias ou comorbidades são diferentes, destaca Barbosa.

Enquanto nos adultos, doenças cardiovasculares e diabetes são importantes, nas crianças, as principais comorbidades vistas no Brasil, segundo o estudo, têm sido doenças neuromusculares (em especial, encefalopatia não-progressiva) e respiratórias crônicas, principalmente asma.

De acordo com o estudo, a chance de uma criança com alguma comorbidade desenvolver uma forma grave da Covid-19 é 5,5 vezes maior em relação a crianças sem comorbidade. Dos 79 pacientes analisados, 41% tinham comorbidades. Barbosa recomenda a pais de crianças com comorbidades cuidado dobrado.

A forma respiratória da Covid-19 é a mais frequente. Começa com sintomas predominantemente respiratórios e atinge os pulmões, mas não apenas eles. Essas crianças em sua maioria testam positivo em exame molecular (RT-PCR) para o coronavírus, indicador de uma infecção aguda.

Já a MIS é um mistério. A criança pode chegar ao hospital sem relato de sintoma prévio e testar negativo no RT-PCR. Porém, exames de anticorpos (sorologia) quase sempre revelam que foi exposta ao coronavírus. E nas que tiveram sintomas de infecção, estes quase sempre se manifestaram de duas a quatro semanas antes do agravamento.

Nem sempre os pais conseguem identificar sintomas porque eles são muito leves e passam despercebidos, observa o pediatra.

Incerteza sobre sequela
A MIS pode ser muito grave, provocar insuficiência cardíaca e até choque, diz Barbosa. E os médicos reconhecem que ainda não se sabe como a infecção pelo coronavírus leva à MIS e o que torna uma criança vulnerável. No estudo brasileiro, os cientistas observaram que ela costuma afetar as crianças maiores, e 80% dos casos eram de meninos.

Os pediatras dizem que será necessário acompanhar as crianças que contraíram MIS para saber se não houve sequelas.

— A MIS é um novo fenômeno relacionado à Covid-19 infantil. Mas as crianças têm uma maior capacidade de recuperação. Só o tempo vai nos dizer se haverá ou não consequências de longo prazo — afirma o pediatra.