05 de Setembro de 2018
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Suplentes de senadores, os políticos sem voto

CADA UM DOS 15 ASPIRANTES ao Senado pelo Estado tem direto a dois substitutos escolhidos pelo partido, e não pela população

Na atual legislatura, 21% dos senadores exercem o mandato sem ter recebido um único voto - dos 81, 17 são suplentes. Embora possa causar estranhamento, o cenário não é irregular: de acordo com a legislação eleitoral, cada parlamentar tem direito a dois substitutos escolhidos pelo partido, e não pela população. Apesar de os nomes serem retratados em letras menores nos panfletos, eles detêm, ao assumir, os mesmos direitos do titular no parlamento.

Cada Estado tem três representantes. Em geral, os efetivos se afastam por licença, nomeação como ministro, renúncia após ser eleito prefeito ou governador, cassação ou morte. Não há nenhum suplente do Rio Grande do Sul atuando, mas é uma realidade que o eleitor precisa ter em mente ao escolher seu candidato. No próximo mandato, os "políticos sem voto", como são chamados por analistas, devem decidir questões importantes, como a reforma da Previdência.

LEGISLAÇÃO PERMITE A NOMEAÇÃO DE FAMILIARES

Nestas eleições, Estados elegerão dois senadores. Como o mandato é de oito anos, dois terços do Senado serão renovados. Como é comum que esses políticos sejam chamados para assumir secretarias estaduais ou ministérios no governo federal, são grandes as chances de novos suplentes saírem das sombras na próxima legislatura.

Há 15 senadores concorrendo pelo Estado. Seus 30 vices têm perfil conhecido na política: homens brancos, com Ensino Superior completo, são maioria.

- Suplentes servem como cabos eleitorais em nichos em que o titular não entraria. Ou para atrair dinheiro à candidatura. Partidos não divulgam os nomes na campanha porque não ganham voto com eles, mas podem perder. O correto seria que o vice fosse um candidato mais votado - avalia Hermílio Santos, professor de Ciências Sociais da PUCRS e coordenador do Centro de Análises Econômicas e Sociais.

Um exemplo dessa relação de uma "mão lava a outra" se dá no caso do ex-cinegrafista Thieres Pinto (PTB-RR), que assumiu no lugar do senador Telmário Mota (PTB-RR). Antes do pleito, ficou acordado que, em troca de conteúdo de vídeo para a campanha de Mota, Pinto teria direito de ser seu suplente.

A legislação também permite que titulares nomeiem familiares como suplentes. É o caso de Lobão Filho (PMDB-MA), que ficou entre 2011 e 2014 no lugar de Edison Lobão (PMDB-MA), escolhido para ser ministro de Minas e Energia no governo Dilma Rousseff (PT). Mais recentemente, Reditario Cassol (PP-RO) assumiu o mandato do filho, Ivo Cassol (PP-RO), que tirou licença por quatro meses.

Propostas para regular a condição do substituto tramitam no Congresso. São os casos da extinção do cargo e da redução do prazo para chamar vice (de quatro para dois meses), parada há dois anos. O projeto mais avançado prevê a redução do número de vices de dois para um e a proibição de indicar familiares. O suplente não recebe salário.

"Gera um sentimento de falta de legitimidade"
MICHAEL MOHALLEM
Coordenador do Centro de Justiça e Sociedade e professor de Direito da FGV no Rio

Michael Mohallem faz alerta ao eleitor: é preciso ficar atento aos nomes dos suplentes de senadores. Afinal, podem assumir o cargo, participar de votações e revisar decisões tomadas na Câmara.

Como avalia o mecanismo de eleição de suplentes a senador?

Isso tem gerado dificuldades do ponto de vista da representatividade, porque as pessoas mal conhecem o suplente que elegem automaticamente quando votam na cabeça da chapa. Em cargos para o Executivo, como de presidente ou governador, o vice acaba mais conhecido, mas é diferente no Senado. O indivíduo escolhe de antemão a suplência, o que gera um sentimento de falta de legitimidade. É diferente da Câmara, onde o suplente é o próximo da lista com mais votos dentro daquele partido.

Por que o eleitor deve se informar sobre os suplentes?

Na política brasileira, há a cultura do parlamentar que participa do governo ao ser nomeado como ministro de Estado ou ao concorrer a cargos como de prefeito ou governador. Além disso, o senador tem oito anos de mandado, tempo grande para concorrer a outro posto. Se isso acontecer, o suplente assume. O senador tem importância fundamental: exerce papel de revisão do processo legislativo que começa na Câmara. O senador pode influenciar no processo legislativo. Dentro do partido, o titular pode indicar um familiar e, muitas vezes, até um financiador de campanha. São táticas muito ruins para a democracia. Quando vejo a situação de partidos indicando familiares para suplente, minha primeira impressão é de evidência de fracasso da democracia interna dos partidos.

É comum que o suplente sirva como cabo eleitoral?

É natural do processo democrático o uso correto do espaço da suplência. Posso fazer uma coalisão de forças políticas trazendo um suplente de outro partido, portanto, atraio a legenda para aquela chapa. Mas também posso, como alguns fazem, se o titular é um homem, chamar como suplente a mulher para ter representatividade de gênero. O que deteriora a democracia é usar esses cargos para benefício da família ou de aliados muito próximos. Como se a candidatura fosse hereditária, um patrimônio.

O suplente não recebe nenhum voto do eleitor. Há risco de ele ter opiniões diferentes daquelas do senador eleito como titular?

Existem casos de vice, no Executivo, com posição muito diferente do titular. Então, há a possibilidade de o suplente ter visão diferente do titular e alterar os rumos da atuação parlamentar quando assumir. Mas, se ambos são do mesmo partido, geralmente têm proximidade ideológica. Geralmente, o sujeito de esquerda traz suplente do mesmo campo do pensamento.

Esses arranjos deveriam ser mais claros ao eleitor? Por que os partidos não dão publicidade aos suplentes?

Se meu partido usa a suplência para colocar um financiador, vou tentar escondê-lo, porque ele não tem representatividade política. Se o suplente é filho do político, essa informação cria constrangimento para o partido, mostra fraqueza partidária em sucumbir à vontade do titular da chapa. Ao mesmo tempo, há dificuldade em colocar uma figura muito proeminente na suplência, porque ela vai querer disputar como titular.

A legislação permite a escolha de parentes como suplentes. Há prejuízo à democracia?

Acho sinal de fraqueza dos partidos. E gera constrangimento à população ao perceber que o titular carrega um parente. É uma espécie de nepotismo eleitoral que, embora não seja proibido, é ruim para a democracia.

Qual a função?
O senador representa os interesses do Estado. Pode propor e modificar leis, fiscalizar o governo ao lado do Tribunal de Contas da União (TCU), sugerir emendas parlamentares, aprovar o orçamento do governo federal, além de analisar nomes para Supremo Tribunal Federal (STF), TCU, Banco Central, Procuradoria-Geral da República, agências reguladoras e embaixadas.

O salário é de R$ 33.763. Além disso, há auxílios moradia (R$ 5.500), médico e odontológico e verba indenizatória que varia para cada Estado (no caso dos gaúchos, é de R$ 35,8 mil).

Em outros países
Segundo estudo de pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, dos 77 países com Câmara Alta (Senado) ao redor do mundo, 31 contam com senadores não eleitos. Os nomes são indicados por rei, assembleias estaduais, chefe de governo, conselhos locais ou colégios eleitorais. No México, o sistema é como o brasileiro. Nos Estados Unidos, é o governador que escolhe. Na Austrália, é a assembleia estadual. Em ao menos 12 países (incluindo Espanha, Suíça e Polônia), o suplente é escolhido após novas eleições. Na Itália, é o segundo da lista eleitoral. Em Burundi, os ex-presidentes têm direito ao cargo vitalício de senador.