28 de Março de 2019
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Polêmica em projeto para extração de carvão

AMBIENTALISTAS E EMPRESA discordam sobre riscos e benefícios de mina próxima ao Jacuí

O processo de licenciamento da maior mina de carvão do Brasil, que poderá se instalar a 15 quilômetros de Porto Alegre, estimula debate sobre riscos e benefícios de se investir na extração e no uso desse mineral na Região Metropolitana.

A Mina Guaíba, a ser implantada entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, provoca críticas de ambientalistas por se localizar próxima ao Delta do Rio Jacuí, envolver desvios em cursos d?água e possíveis impactos na fauna e na flora. A empresa argumenta que novas tecnologias garantem a segurança do empreendimento, previsto para extrair 166 milhões de toneladas de carvão que dariam forma, em um segundo momento, a um polo carboquímico capaz de gerar até US$ 4,4 bilhões em investimentos.

Ministérios públicos Estadual (MP) e Federal (MPF) acompanham o caso. O MPF informa que o seu inquérito corre sob sigilo e, por isso, não pode fornecer informações. No MP, ação equivalente se desenrola desde agosto de 2016.

- Já fizemos duas recomendações de que fossem realizados mais estudos e se buscassem mais informações para orientar o licenciamento, o que teria sido acolhido. É um empreendimento de alto impacto ambiental porque afeta o meio físico, cursos de água, vegetação, habitações - afirma a promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente Ana Marchesan.

A empresa responsável, a gaúcha Copelmi Mineração, busca licença da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) desde 2014 para escavar a mina em uma área de 4,5 mil hectares - cerca de 120 vezes o Parque da Redenção. Já foram apresentados o estudo e o relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) e, em 14 de março, uma audiência pública reuniu centenas de participantes em Charqueadas. Entidades ambientalistas obtiveram liminar na Justiça Federal para cancelar o evento, mas a suspensão acabou cassada em segunda instância. A audiência faz parte do processo exigido para concessão da licença prévia - que reconhece a possibilidade do empreendimento se localizar em determinada área. Depois, ainda precisam ser emitidas as licenças de instalação (permite início das obras) e, por fim, de operação.

Ambientalistas afirmam que a exploração do carvão é poluente e questionam sua localização - a 535 metros do Parque Estadual Delta do Jacuí e a 240 metros de área de preservação ambiental.

- Custei a acreditar que estavam realmente pensando em implantar uma mina de carvão tão perto do Rio Jacuí. Isso representa ameaça até para o abastecimento de água na Região Metropolitana pelo risco de poluição - sustenta a ambientalista Maria Elisa Dexheimer Silva.

PROCESSO ESTÁ EM FASE DE LICENÇA PRÉVIA NA FEPAM

A Copelmi argumenta que a visão do carvão como elemento poluente é ultrapassada. Tecnologias atuais, conforme o diretor de Novos Negócios da empresa, Roberto Faria, garantem operação limpa. Faria afirma, por exemplo, que a água utilizada no processamento do carvão mineral circularia em circuito fechado - seria 100% reciclada e reutilizada. Além disso, o método de "lavra por tiras" permite enterrar os rejeitos nos próprios buracos abertos para extrair o mineral, que seriam depois recobertos - já usado em Butiá.

A implantação da mina, que também forneceria areia e cascalho, exige rebaixamento do lençol freático e desvio de dois arroios, o Pesqueiro e o Jacaré. Também seria necessário reassentar aproximadamente 282 pessoas - agricultores do Assentamento Apolônio de Carvalho (onde se planta arroz orgânico) e moradores do loteamento Guaíba City, ambos localizados na área que seria escavada.

- Gostaríamos de ficar, mas, se for para sair, o ideal é que houvesse definição logo - afirma o comerciante Alberi Moreira, 51 anos.

A presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann, diz que ainda não é possível prever quando sairá uma decisão sobre a autorização:

- A tramitação está em fase de análise da licença prévia. Estamos olhando esse processo com toda a atenção devida.


Sem previsão de barragem como a de Brumadinho
Um dos temores envolvendo o projeto de exploração carbonífera na Região Metropolitana é de que os rejeitos pudessem formar algum tipo de barragem, ameaçando a população e a natureza a exemplo de tragédias recentes como as de Mariana e Brumadinho (MG). O setor técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e a empresa responsável, a Copelmi, afirmam que não há barragem prevista no projeto.

O estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) estabelece que os rejeitos sejam enterrados nas próprias cavas abertas para extrair o carvão do solo a até cem metros de profundidade. Esse método permitiria recompor o terreno conforme a exploração avança.

Isso não quer dizer que não haveria qualquer transformação no relevo: o material inerte retirado do solo no início dos trabalhos seria empilhado, formando elevação de 21 a 26 metros no terreno. Esse platô de areia, argila e cascalho seria sólido, sem risco de "explodir" como a barragem de Brumadinho, e somaria 264 hectares de área.

Em Butiá, a 79 quilômetros da Capital, a Copelmi mantém uma mina de carvão com característica peculiar: há moradores vivendo a menos de cem metros do empreendimento. Os vizinhos dizem que, até agora, não perceberam transtornos decorrentes da operação.

- Moro aqui há um ano, nunca tivemos problema. Às vezes, percebemos um leve tremor (de detonações), mas não chega a atrapalhar. Dizem que antigamente incomodava um pouco mais. Também não tivemos problema com poluição até o momento - afirma a dona de casa Paula Cristina Gomes, 24 anos, uma das moradoras mais próximas do limite da mina B3.

O pedreiro Renaldo Castro, 48 anos, outro vizinho, também não tem queixas até agora:

- A gente sofre bastante com a poeira da estrada, mas da mina não chega a vazar nada para cá.


Fiergs destaca efeito econômico
Criticado por ambientalistas, o projeto de implantação de polo carboquímico a partir da abertura de nova mina de carvão é considerado por empresários uma aposta estratégica para aliviar a crise econômica do Estado. Relatório da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) estima que a exploração do mineral e sua conversão em gás natural sintético, ureia, amônia e metanol poderia acrescentar R$ 23 bilhões ao PIB gaúcho até 2042 e gerar 7,5 mil empregos.

- O Estado tem 90% das reservas de carvão do país, e esse recurso hoje é pouco explorado - sustenta o diretor da Fiergs e coordenador do Conselho Temático de Energia, Edilson Deitos.

A exploração do mineral é sustentada na Lei 15.047/2017, que instituiu a política estadual do carvão e criou o projeto do polo carboquímico. Essa medida é criticada pelo biólogo Paulo Brack:

- O carvão é um combustível fóssil contestado no mundo, um combustível do século passado com alto risco de contaminação.

O gerente de Sustentabilidade Corporativa da Copelmi, Cristiano Weber, afirma que o carvão extraído do solo gaúcho não seria queimado como em antigas termelétricas, mas gaseificado em equipamentos modernos e antipoluentes. O gás síntese, como é chamado, permitiria a conversão do produto para gás natural, fertilizantes para agroindústria e metanol.

- Temos limitação de fornecimento de gás porque o gasoduto afunila em direção aos Estados do Sul. Esse gás atenderia a uma demanda reprimida e ajudaria o Rio Grande do Sul a superar a crise - sustenta Weber.