23/10/2018 Jornal Agora Opinião Pg. 8 Assassinatos no navio Canopus e a transferência do Comando do 5° Distrito Naval para Rio Grande-RS No ano em que se celebram os trinta e cinco anos do estabelecimento do Comando do 5° Distrito Naval na cidade do Rio Grande, cuja sede foi transferida de Florianópolis para esta cidade no dia 8 de fevereiro de 1983, o presente artigo se propõe a destacar um acontecimento trágico e sua relação com o Almirante de Esquadra Maximiano Eduardo da Silva Fonseca, maior responsável pela efetivação da referida transferência da sede do comando distrital da Marinha do Brasil no Sul do país. Trata-se do assassinato de dois oficiais e um marinheiro a bordo do navio hidrográfico Canopus, cometido por outro marinheiro integrante da tripulação, na noite de 14 de junho de 1963, enquanto o navio estava atracado no porto da cidade. Personagem central no processo de transferência da sede do Comando do 5° Distrito Naval de Florianópolis para Rio Grande, o Almirante Maximiano Fonseca, apenas dois meses após assumir o Ministério da Marinha, aprovou a referida mudança de sede por meio do Memorando n° 0032, de 14 de maio de 1979. Entretanto, a relação desse oficial com a urbe rio-grandina transcendia tais questões administrativas, pois, há muito tinha sua carreira intimamente ligada à cidade natal do Almirante Tamandaré, patrono da força naval brasileira. Especialmente, a partir do ano de 1963, quando, no posto de capitão de fragata e sob circunstâncias extremamente atípicas, assumiu o comando do Navio Hidrográfico Canopus. Embarcação subordinada à Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha, que se encontrava em Rio Grande realizando o levantamento hidrográfico da costa do estado gaúcho. Que teria ainda destacada participação no contexto do golpe civil-militar de 1964, sendo empregada como navio prisão em Rio Grande, durante o mês de abril daquele ano, no cenário de repressão que se abateu sobre a cidade. Na manhã do dia 15 de junho de 1963, não somente a cidade do Rio Grande, mas toda a Marinha, foram impactados pela notícia do assassinato de três militares a bordo do navio hidrográfico Canopus. Na noite anterior, foram mortos - enquanto dormiam - o capitão de fragata Arnaldo Costa Varela, o capitão de corveta Antônio Manhães Matos e-o-marinheiro de primeira-classe Sylvio Farias Soares, comandante, imediato e taifeiro do navio, respectivamente. O assassino teria sido outro militar, o marinheiro de segunda-classe Lorival Vicente da Silva, cuja motivação teria sido uma punição disciplinar a ele imposta pelo comandante do navio, devido a uma brincadeira de mau gosto realizada contra o marinheiro Sylvio Farias Soares. O comandante e o imediato foram mortos em seus camarotes com golpes de esguicho (peça de bronze utilizada como difusor de água nas mangueiras de combate a incêndio do navio) na cabeça, enquanto o taifeiro foi morto a facadas em seu alojamento. O assassino foi preso por outros dois oficiais do navio e transferido para uma cela no então 6° Grupamento de Artilharia de Costa Motorizada (6° GACosM) do Exército Brasileiro, também nesta cidade. Nos dias que se seguiram à morte do comandante Varella, o navio ficou sob o comando do capitão-tenente Fernando de Queiroz Pinto de Mendonça, até o dia 17 de junho, quando se apresentou seu novo comandante, o capitão de fragata Maximiano Eduardo da Silva Fonseca. Sob seu comando, o Canopus concluiu o levantamento hidrográfico da costa do Rio Grande do Sul em março de 1964. Ainda naquele mês, o comandante Ma-ximiano recebeu ordem para permanecer em águas rio-grandinas - em apoio à Capitania dos Portos do Rio Grande do Sul (CPRS) - devido ao momento tencionado que o país atravessava, o qual culminou em um golpe civil-militar em abril daquele ano. Maximiano Fonseca permaneceu em Rio Grande com o Canopus durante, praticamente, todo mês de abril de 1964. Apoiando a CPRS, principalmente, no que concerne à custódia de determinados presos durante aquele período. No dia 22 de abril, o Canopus seguiu em direção ao Rio de Janeiro, após deixar todos os presos aos cuidados da Brigada Militar ainda em Rio Grande. Em dezembro deste mesmo ano, o capitão de fragata Maximiano Fonseca deixou o comando do Canopus e assumiu a Delegacia da Capitania dos Portos de Porto Alegre - organização militar subordinada à CPRS - permanecendo, portanto, vinculado ao estado do Rio Grande do Sul e, em parte, à cidade do Rio Grande. Desse modo, quase vinte anos após ter comandado o Canopus em águas rio-grandinas, o almirante Maximiano Fonseca não apenas aprovou a transferência da sede do Com5°DN, mas conduziu o processo. Presente à cerimônia oficial em Rio Grande, a qual marcou a mudança da cidade-sede em 8 de fevereiro de 1983, o Almirante Maximiano - em entrevista publicada na capa da edição do dia seguinte, do jornal Agora - que a "transferência foi um acontecimento natural devido à posição estratégica de Rio Grande [...] unindo também o fato de que aqui seja a terra natal do patrono da Marinha, Marques (sic.) de Tamandaré". Atualmente, mais de trinta e cinco anos após deixar a capital catarinense e instalar-se na urbe rio-grandina, o Comando do 5° Distrito Naval, com jurisdição sobre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tem sob sua subordinação diversas organizações militares da maior relevância para o cumprimento da missão da Marinha no Sul do Brasil. Entre as quais cabe destacar um navio balizados batizado com o nome do Comandante Varella, sediado em Rio Grande. A exemplo do Canopus, o Comandante Varella também é um navio dedicado às atividades afetas à hidrografia e à navegação, representando assim urna justa homenagem àqueles três militares cruelmente assassinados naquela fatídica noite, a bordo de um navio que ainda marcaria muito a sociedade rio-grandina. *Historiador, doutorando em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - bolsista Capes, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em História Regional Platina (NPHR/UFPel) e do Grupo de Pesquisa e Estudos de História do Tempo Presente (PUCRS).