26/03/2020 Zero Hora Notícias Pg. 18 Leitos de UTI são desafio ao RS Enquanto adota medidas de restrição social, o Rio Grande do Sul corre para abrir espaço em seus hospitais para pacientes em estado gravíssimo de coronavírus. Estatísticas internacionais apontam que 80% das pessoas terão sintomas leves e conseguirão se recuperar após descanso em casa por 15 dias. No entanto, outras 15% ficarão em estado grave e mais 5% em estado gravíssimo, o que exigirá internação em leito de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) por até duas semanas. Esses 5% preocupam autoridades. Hoje, com população estimada em 11,3 milhões de pessoas, o Estado conta com 3,2 mil leitos de UTI públicos e privados, dos quais 1,6 mil são exclusivos para adultos, segundo análise de fevereiro do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) sobre dados do Ministério da Saúde. Outra metade é destinada a tratar casos graves de recém-nascidos, crianças, pacientes que realizaram cirurgia no coração ou que sofreram queimaduras graves. A maioria das vagas é destinada a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), mas, ainda assim, há consenso entre médicos de que faltam leitos de UTI no Estado - proporcionalmente, a oferta é menor do que a média nacional, segundo estudo de 2018 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Ter poucas vagas para pacientes em estado gravíssimo é um dos maiores desafios se o coronavírus tiver ritmo de propagação rápido como na Itália. Além da baixa cobertura, a ocupação dessas vagas é próxima a 100%, segundo a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann. Essa realidade é comum no Brasil, onde a ocupação é de 80% em hospitais privados e acima de 95% em instituições públicas, segundo a Associação de Medicina Intensivista Brasileira (Amib). Porto Alegre, pelo contrário, tem boa cobertura: é a sexta capital com maior oferta de leitos de UTI. Hoje, são 917, dos quais 610 são para adultos, segundo a Secretaria de Saúde da Capital. A concentração alta é favorecida pelos hospitais universitários da cidade, como Hospital de Clínicas, Santa Casa de Misericórdia, que tem convênio com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), e Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS). Para fazer frente à epidemia, o governo do Estado já orientou médicos, inclusive de convênios, a desmarcarem cirurgias não emergenciais para liberar leitos. O segundo movimento foi o decreto de calamidade, que permite pegar leitos de UTI privados para tratar pacientes do SUS. Expectativas O terceiro passo do governo é criar 218 novos leitos de UTI. O cálculo toma como base projeção do Departamento de Economia e Estatística (DEE), segundo a qual o Rio Grande do Sul teria, por volta de 6 de abril, 4.340 casos de coronavírus se a epidemia crescer a um ritmo italiano (pior cenário possível). Se 5% dos pacientes ficarem em estado gravíssimo, haveria nova demanda de 217 novos leitos. Médicos alertam que o número necessário é hipotético, porque é baseado em uma projeção da Itália aplicada ao cenário brasileiro. É verdade que o Estado tem alta população de idosos - cerca de 20%, segundo cálculos do DEE - e inverno rigoroso. Por outro lado, as medidas de isolamento foram postas em prática antes do crescimento exponencial da epidemia: Porto Alegre começou ontem a proibir os mais velhos de sair de casa e a expectativa é de que o outono tenha temperaturas acima da média e o inverno não seja rigoroso. Qualquer aumento de leitos é desejável, mas apenas a criação de novas vagas não resolve todos os problemas, avalia Fabiano Nagel, médico intensivista do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e do Grupo Hospitalar Conceição (GHC): - Esses leitos precisam de recursos humanos e materiais. Atualmente, não estão disponíveis no mercado equipamentos para leitos de UTI. Recursos humanos não são formados de um dia para o outro. Não podemos trabalhar com a hipótese de que não seremos afetados como Itália, Espanha, China ou Inglaterra. O poder público parece estar fazendo o que está a seu alcance. O desenrolar disso, os dias vão nos dizer. Mas temos que estar preparados para uma situação muito séria. Interior terá alto custo de transporte Outro desafio é que a maior parte dos leitos de UTI no Rio Grande do Sul está concentrada na Região Metropolitana, alerta Paulo Azeredo Filho, assessor técnico de saúde da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), que representa cidades do Estado. Isso exige dos municípios do Interior arcar com os custos de transporte que, em alguns casos, pode chegar a mais de R$ 75 mil para uma única pessoa. - Os leitos que temos no sistema já estão ocupados por pessoas com câncer ou que fizeram cirurgia. Esses 200 leitos são pouco para o Rio Grande do Sul. As medidas para que as pessoas fiquem em casa e a suspensão de cirurgias sem urgência foram feitas para tentar desafogar um pouco. Esperamos que dê certo - diz Azeredo Filho. Independentemente da criação de novas vagas, nenhum país ou Estado consegue suportar uma leva de doentes graves buscando tratamento. Por isso, médicos têm suplicado que os brasileiros fiquem em casa nas próximas semanas para evitar que o sistema de saúde colapse. - Em momentos de guerra, não faz diferença a quantidade de leitos, porque o sistema vai saturar, as pessoas não terão para onde ir e morrerão em casa. É esse o cenário que a gente não quer e por isso as pessoas precisam ficar em casa agora - pede Eduardo Sprinz, chefe da Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Mudança O estudo do Cremers mostra que o Rio Grande do Sul perdeu 1,3 mil vagas em leitos clínicos, mas ganhou 128 leitos de UTI para adultos nos últimos cinco anos, que passaram de 1.502 para 1.630. No total de leitos de UTI (incluindo também vagas para recém-nascidos, crianças, pacientes pós-cirurgia no coração e vítimas de queimaduras graves), o número cresceu de 3 mil para os atuais 3,2 mil. Em um cenário de alta demanda, o governo pode remanejar as vagas desses outros leitos de UTI.