22/05/2020 Zero Hora Em dia Pg. 33 Liberdade de ser infectado? Na última semana, o ministro Paulo Guedes falou sobre a importância da liberdade neste contexto de pandemia. Segundo ele, se "... estou são, não vou infeccionar ninguém, eu posso andar se eu quiser. É um direito dele ser infectado, ele não tá infectando ninguém. Então, ele pode ser infectado, é um direito dele". Primar pela liberdade é sempre louvável. No entanto, esta declaração de Guedes não tem a ver com isso. Ela está simplesmente equivocada! A questão do lockdown, que é o motivador do comentário do ministro, é jurídica e econômica. Do ponto de vista jurídico, o assunto me parece bem resolvido. O arcabouço legal arranjado desde o início da crise oferece o suporte necessário para as medidas. Nem vale a pena entrar neste debate. Mas, cabe trazer à baila a questão da economia. Existe em economia um conceito chamado externalidade. Trata-se do impacto da ação de uma pessoa ou empresa sobre o bem-estar de outros, que não estão envolvidos na atividade, sem que estes custos sejam pagos. Por exemplo, pense em uma indústria que emita uma fumaça poluente. Ela não paga a ninguém por essa poluição, mas os cidadãos têm sua saúde prejudicada ao respirarem o ar poluído. Uma maneira de ajustar o quanto esta empresa pode produzir é reverter para a empresa algum custo imputado aos cidadãos. Isso é feito pelo Estado, geralmente através de impostos ou cotas de produção. Caso não se faça isso, essa indústria produzirá livremente a poluição que bem entender, o que seria péssimo para a sociedade como um todo. As orientações sanitárias indicam o isolamento social para combater a circulação do coronavírus. Isso nada mais é, do ponto de vista da economia, do que uma regulação das externalidades negativas das ações de cada um sobre a evolução da pandemia. Isso não tem absolutamente nada a ver com violar o "direito de ser infectado". A questão é que o indivíduo na rua está colocando em risco potencial outras pessoas. Não se trata apenas dele! A ação individual pode gerar custos para terceiros. É necessário entender a quarentena, portanto, como o custo social do controle da pandemia. Curiosamente, este é um conceito que pertence à corrente de pensamento econômico que Guedes defende. Não reconhecer as externalidades negativas, além de prestar um desserviço à saúde pública brasileira, é uma incoerência teórica lamentável. Outro exemplo poderia ser dirigir bêbado. Isso é crime porque a externalidade negativa desta ação é, potencialmente, a vida de outras pessoas. Ou seja, os benefícios individuais são submetidos ao bem-estar social. Economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS ely.mattos@pucrs.br ELY JOSÉ DE MATTOS