16/10/2020 Jornal do Comércio Segundo Caderno B Pg. 4 Na linha de frente das vacinas da Covid-19, médicos se mostram otimistas Desde dezembro de 2019, quando foram notificados os primeiros casos de Covid-19 na China, profissionais de saúde e autoridades governamentais no mundo todo correram contra o tempo para conter ou postergar a contaminação em massa da população por uma doença, até então, desconhecida. Ainda que muitos protocolos tenham sido adotados por diferentes países, o vírus se espalhou em nível global e se tornou um desafio, especialmente aos profissionais da saúde e cientistas, que ainda hoje continuam se desdobrando para salvar vidas e encontrar a cura para o novo coronavírus. Nessa corrida contra o relógio, o Instituto Butantan, de São Paulo, firmou, em junho, uma parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac para a produção da vacina Coronavac. A ideia era que a farmacêutica fornecesse ao Butantan as doses da vacina para a realização dos testes clínicos da fase 3 do estudo em voluntários brasileiros, a fim de demonstrar sua eficácia e segurança. Em julho, 12 hospitais foram selecionados para a testagem da vacina. Entre eles, estava o Hospital São Lucas da Pucrs (HSL), de Porto Alegre. A notícia, segundo o chefe do serviço de infectologia do hospital e coordenador do estudo, Fabiano Ramos, veio como um desafio em meio ao turbilhão de acontecimentos decorrentes da própria pandemia. "Um desafio enorme. Um orgulho bastante grande, porque sentimos a responsabilidade que temos em ajudar a desenvolver uma pesquisa séria num momento no qual a ciência está sendo colocada em questionamento", disse. No HSL, a meta era testar a vacina em 850 profissionais de saúde voluntários, no período de agosto a outubro. No entanto, o número de voluntários já chegou a 900. "Já ultrapassamos a meta, hoje temos 900 voluntários inseridos na pesquisa. Temos como data prevista para o término das aplicações o dia 17 de outubro. Pode se estender mais, mas isso vai depender da decisão do Butantan." O médico ressaltou ainda o trabalho desenvolvido pelos profissionais de saúde e a importância de um estudo desse porte. "Não é nada fácil incluir 900 voluntários. Às vezes, as pessoas acham que é simplesmente chegar e receber a vacina ou o placebo e ir embora. Mas não é bem assim. O voluntário fica de 2 a 3 horas no centro de pesquisa", explicou. Por se tratar de um estudo "duplo cego", apenas os farmacêuticos que recebem e acondicionam os imunizantes conseguem saber o que é a vacina e o que é placebo. No entanto, eles não participam do momento de aplicação. Essa estratégia é utilizada com o objetivo de permitir a análise e a comparação dos resultados pelos dois grupos, validando ou não o efeito da substância. Os resultados das fases anteriores apontaram bastante positividade em relação à proteção da vacina. De acordo com o infectologista, até o momento os voluntários apresentaram apenas sintomas leves, como dor no local de aplicação da vacina, dor no corpo ou de cabeça. "Essa é uma vacina muito parecida com a da gripe, então, o que temos acompanhado são resultados adversos leves e que não tem tanto impacto". Em relação aos próximos passos do estudo, Ramos se mostrou bastante confiante. "É um orgulho bastante grande, apesar do desafio e da pressão da sociedade. Encaramos com bastante esperança esse trabalho", garantiu. Além de esperança, o que não falta é expectativa para que tão logo a vacina seja viabilizada e possa imunizar tantas outras pessoas além dos funcionários. "A nossa expectativa é para que tudo dê certo. Temos uma confiança muito grande tanto no desenvolvimento da pesquisa quanto no Instituto Butantan. Seguimos com boas expectativas para que tenhamos uma vacina segura em breve", afirmou. O infectologista parabenizou ainda o trabalho desenvolvido pela equipe do HSL que, de uma forma ou de outra, tem se colocado bastante ativa e contribuído para o sucesso da vacina. "Ninguém faz nada sozinho. Temos uma grande equipe composta por médicos, enfermeiros, profissionais da pesquisa, pessoas que trabalham na parte administrativa e estudantes. Todos os participantes estão encarando esse desafio e se superando a cada dia". GHC mantém outras três linhas de pesquisa além da vacina Com o objetivo de encontrar tratamentos eficazes para a Covid-19, profissionais de saúde e pesquisadores trabalham em diferentes frentes de pesquisa a fim de encontrar a cura para o novo coronavírus. No Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre, há pelo menos quatro linhas de abordagem: tratamento com plasma convalescente, tratamento com antivirais, tratamentos com anticorpos monoclonais e vacina. "Estamos em busca de soluções para tratar uma doença nova. A Covid-19 está mudando de perfil. Está passando de uma fase de grande impacto para outra fase de impacto menor, mas, mesmo assim, ainda continua causando temor", afirmou o chefe do serviço de infectologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Breno Riegel Santos. Autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em agosto, a vacina desenvolvida pela farmacêutica belga Janssen, do grupo Johnson & Johnson, está em sua fase 3 de testes. No início de setembro, o Hospital Conceição foi um dos escolhidos no Rio Grande do Sul para integrar o estudo multicêntrico de testagem da vacina. Diferentemente dos imunizantes produzidos por outras farmacêuticas e que também estão em testes da fase 3 pelo País, as doses da Janssen não são exclusivas para profissionais da saúde. Por abranger um público mais aberto, o GHC logo ultrapassou a meta de 2 mil voluntários inscritos, totalizando pouco mais de 4,5 mil interessados. "Temos uma grande expectativa de que a vacina vai ser eficaz, porque ela já demonstrou produzir os anticorpos adequados", ressaltou o infectologista. Apesar da grande procura e expectativa, o GHC ainda terá de esperar para iniciar os testes com o imunizante, já que a empresa Johnson & Johnson anunciou, no dia 12 de outubro, a suspensão do estudo, em todo o mundo, em virtude de um voluntário ter apresentado situação adversa. Ainda assim, o centro de estudos de doenças infecciosas do GHC mantém pesquisas em outras linhas de abordagem: "O plasma convalescente, de pessoas que sobreviveram à Covid-19 e têm anticorpos em grande quantidade, é usado como transfusão para quem está doente. Ele funciona e é bom", garantiu o médico. Outras duas linhas envolvem ainda a abordagem com antivirais e anticorpos monoclonais. "Na de antivirais é pelo menos uma molécula que já é utilizada para a gripe e que aparentemente vai ter algum efeito na Covid-19. Já os anticorpos monoclonais são especializados e já fabricados especificamente contra o vírus da Covid-19." Estudos clínicos de vacinas contra a Covid-19 desenvolvidos no RS Sinovac A vacina CoronaVac, da farmacêutica chinesa Sinovac, foi a primeira a ser testada em solo gaúcho. Desde o dia 8 de agosto, voluntários estão recebendo as aplicações das doses no Hospital São Lucas da Pucrs (HSL). A meta era de 852 voluntários, mas o número já ultrapassa 900. Coordenado pelo Instituto Butantan, pelo menos 9 mil profissionais de saúde voluntários devem participar do estudo no Brasil, em 12 centros de pesquisas. Oxford A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, em parceria com o laboratório AstraZeneca, também já está em fase de testes no Rio Grande do Sul. Desta vez, porém, os hospitais selecionados foram o Clínicas de Porto Alegre* e o Universitário de Santa Maria, em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Janssen No Rio Grande do Sul, pelo menos dois hospitais gaúchos devem realizar os testes da farmacêutica belga, sendo eles o Nossa Senhora da Conceição e o Clínicas de Porto Alegre*. Em virtude da suspensão temporária dos estudos pela empresa Johnson & Johnson, as aplicações ainda não têm data para começar. (*) Procurado pela reportagem, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) informou que os profissionais envolvidos com as pesquisas não estão autorizados a dar entrevistas sobre o tema.