11/11/2017
Zero Hora
Sua vida | Pág. 32
Clipado em 11/11/2017 03:11:59
O 4º distrito vive
ENQUANTO O PROJETO de recuperação da área que vai do Floresta ao Humaitá não sai do papel, investimentos menores e coletivos geram um novo polo de lazer, cultura e criatividade na Capital

Após cerca de três décadas de debates, o 4º Distrito finalmente dá mostras de revitalização. Antiga zona industrial de Porto Alegre, a região tem fartura de imóveis desocupados, que começam a abrigar empreendimentos com modelos de negócio inovadores, economia criativa e lazer.

São as pequenas iniciativas, e não grandes investimentos, que têm impulsionado o ressurgimento da região de 594 hectares, que se estende pelos bairros Floresta, Navegantes, São Geraldo, Humaitá e Farrapos e se beneficia da localização, junto ao Centro e às entradas da cidade.

De acordo com o professor Ricardo Strauch Aveline, coordenador da extensão do Centro Universitário Metodista IPA, parceiro da prefeitura, o 4º Distrito ainda não é utilizado da melhor forma, mas isso é "questão de tempo".

- Iniciativas da população integram um processo que acontece, ali, em dimensão maior do que em outros pontos da cidade. Existe um networking pronto, esperando oportunidades, como a vinda de empresas de tecnologia - diz.

Os novos empreendimentos se caracterizam por um ideal coletivo. Galpões de velhas fábricas são facilmente adaptados em ambientes capazes de reunir empresas diversas sob o mesmo teto, que compartilham espaço e equipamentos. Além disso, a promoção de eventos por meio de parcerias entre empreendedores passou a atrair pessoas para atividades de lazer, o que anima o polo cervejeiro que se criou na região e consolida um novo ponto para a vida noturna na Capital. Com tudo isso, intensifica-se a produção cultural.

PESQUISADOR DEFENDE AÇÕES COLETIVAS NO LOCAL

Analista e pesquisador em Ciência Política da Fundação de Economia e Estatística (FEE), Tarson Núñez destaca que a renovação da área deve ocorrer a partir das pequenas empresas. Para ele, o foco do poder público está equivocado:

- Falta visão de gestão. Sempre se pensa na atração de grandes grupos em vez de ações coletivas com os pequenos empreendedores, que formam o tecido social local. É necessário ter mecanismos de estímulo para evitar a especulação imobiliária, facilitando o aluguel dos imóveis ociosos - sugere.

Para Aveline, nesse estágio inicial, investimentos imobiliários são bem-vindos. Porém, o valor do metro quadrado no 4º Distrito tende a subir, já que os olhos da cidade estão voltados para lá. Ele alerta que aluguéis "irreais" podem emperrar o desenvolvimento:

- Inúmeros imóveis nas mãos de poucos é um fator prejudicial. Infelizmente, nossa cultura não é muito empreendedora. Se os valores forem estratosféricos, os investidores não irão para lá.

Recursos até a metade de 2018

A revitalização do 4° Distrito será baseada no projeto Mastrrplan, criado pelo Núcleo de Tecnologia Urbana da UFRGS. De acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade, os estudos urbanísticos estão concluídos. Contudo, o Masterplan esbarra na falta de recursos.

A prefeitura procura apoio de entidades financiadoras. Após apresentar o projeto na Fundação Rockefeller, em Nova York, o vice-prefeito Gustavo Paim e o secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, estiveram em Bangcoc para iniciar tratativas com o Banco Mundial nos últimos dias.

Na Conferência do Programa de Cidades Resilientes, trataram da carta-consulta e da assistência técnica que atenderá prioridades como combate a alagamentos e inclusão social. A gestão busca de US$ 100 milhões a US$160 milhões. Conforme o diretor de Articulação Institucional e Resiliência da Capital, Rodrigo Corradi, até a metade de 2018, a prefeitura deve conseguir investimentos para obras e atração de empresas:

- Para captação, teremos verba na casa de R$ 1,5 milhão a fundo perdido. Teremos outros vários milhões para infraestrutura.

O professor Benamy Turkienicz, responsável pelo projeto, ressalta que a revitalização deve envolver "intensa participação da iniciativa privada", com vários tipos de PPPs.

Quem aposta na região
Apesar da demora do poder público para dar andamento ao projeto de revitalização do 4° Distrito, empreendedores têm criado novos negócios na região. Em ramos variados, caracterizam-se pela aposta na inovação e na criação e pela força que vem da cooperação entre os proprietários. Conheça quatro empreendimentos que simbolizam o início da revitalização do 4° Distrito na Capital.

Galpão Makers

Tipo de negócio cada vez mais característico do 4° Distrito, o Galpão Makers é um empreendimento que não se explica com duas ou três palavras. Espécie de "coworking de produção", é uma central de serviços que atende clientes externos além de ser a sede de várias empresas, conforme define um de seus gestores, o empreendedor Fábio Sdimidt, 40 anos.

Atualmente, 24 marcas usam coletivamente o pavilhão, que tem duas máquinas para trabalhar com madeira e metal. Ali, são produzidos diversos tipos de produtos, como móveis, objetos de design, arquitetura efêmera, artesanato, roupas e bicicletas Em novo endereço, o Galpão Makers saiu da Rua Santos Dumont e se instalou na Gaspar Martins no início de março.

- Viemos pela localização e porque precisávamos de mais espaço. Não há residências ao redor. Fazemos um pouco de barulho. Além disso, a maioria dos nossos fornecedores, como chapas e tintas, estão aqui perto - explica Schmidt, proprietário da Solabici, empresa que produz bicicletas em estilo retro sob medida.

O galpão se mantém com diferentes modalidades de associação. As empresas residentes pagam um aluguel conforme o tamanho da área privativa que utilizam e têm direito ao uso das máquinas. Há ainda os residentes sem uma baia Também é possível pagar uma diária para usar o espaço. O equipamento também é usado para atender pedidos externos.

Locamos o galpão direto com o proprietário, que compreendeu o modelo de negócio e autorizou a sublocação. Se não fosse assim, a maioria das empresas daqui nem existiria A indústria criativa é dos pequenos. A maioria aqui é microempreendedor individual - acrescenta.

Para se conectar com a vizinhança e apresentar sua produção, os empresários promovem, oficinas de costura, workshops de luminárias e debates. A cada dois meses, ocorre o Dá-lhe Galpão, evento em estilo festa de rua, com comidas e cervejas artesanais.

4Beer

O bar 4Beer é resultado da evolução do tipo de negócio da cervejaria Diefen Bros, que saiu da Cavalhada, na Zona Sul, e se instalou na Avenida Polônia, no São Geraldo. Segundo Rafael Diefentbaler, 36 anos, um dos sócios da cervejaria, a opção pelo 4° Distrito ocorreu pela boa localização e pela ideia de "surfar na onda" da revitalização.

- Mudamos bastante o tipo de negócio. Antes, vendíamos para restaurantes. Hoje, temos um bar com 26 torneiras diferentes, que produzimos aqui mesmo.

Rafael destaca que os empreendimentos da região se complementam. Quando o Galpão Makers ou o Vila Flores Promovem um evento, costumam convidar a Diefen Bros. E o convite é retribuído quando os cervejeiros fazem alguma função.

A grande presença de produtores de cervejas artesanais na Zona Norte favoreceu a criação da Oktoberfest do 4° Distrito, que teve sua segunda edição neste ano Coube à Diefen convidar outros cervejeiros para a festa.

- Os artesanais são responsáveis por apenas 2% do mercado. Os outros 98% são das grandes cervejarias. Então há muito companheirismo entre os pequenos - afirma Rafael.

A Oktoberfest é um resgate conduzido pelo produtor cultural Alexandre Candano, 45 anos, de uma antiga celebração que existia na Cristóvão Colombo. A intenção é torná-la uma atração turística. A primeira edição foi uma festa de rua, na Avenida Polônia. Em 2017, ocorreu no DC Navegantes:

De acordo com o DC, cerca de 6 mil veículos passaram pelo estacionamento durante a Oktoberfest. Mas a assessoria de marketing estima que o público pode ter chegado a 10 mil pessoas.

- Os cervejeiros fomentam a cena cultural local convidando artistas autorais. Isso fortalece a indústria da cultura - diz Cardam.

Estúdio Audio Porto

Diante de uma cena musical crescente, o 4° Distrito ganhou um grande estúdio de gravação. Seguindo o espírito dos empreendimentos da região, o Audio Porto não quer se limitar na atividade de gravar e mixar. A empresa está sediada na antiga fábrica de enfeites de Natal Wanda Hauck, na Rua Câncio Gomes, bairro Floresta, e foi idealizada por Rafael Haudt, 35 anos, bisneto dos fundadores. O espaço também abriga outras duas empresas, a Imersiva, que trabalha com interatividade e projeção mapeada, e a Plano 9, que faz conteúdo em vídeo e realidade virtual.

- O estúdio já está pronto e operando desde dezembro de 2016, mas ainda estamos fazendo a readequação do espaço. Nosso projeto é fazer aqui a Fábrica do Futuro, com cursos a distância, reciclagem de conceito para profissionais que buscam reinserção no mercado. O objetivo é trazer conhecimento - planeja Rafael.

Atualmente, são utilizados 900 metros quadrados. Para possibilitar as demais atividades, outros 2 mil metros quadradas serão reformados. Um diferencial é a aposta em apresentações musicais, com transmissão ao vivo via streaming em uma sala que pode receber um público de até 150 pessoas.

Pensamos no multiuso, planejamos atividades linkadas com cinema e artes visuais. Queremos pulverizar a cultura. A partir da metade de 2018, acho que poderemos implementar essas ideias.

O vinculo familiar com o 4° Distrito incentiva Rafael a investir também na tentativa de trazer um retorno social Ele se diz empolgado como foco que a região tem recebido, mas ressalta que é necessário evitar a gentrificação.

Agulha

Inaugurado oficialmente cm agosto, o bar Agulha é o novo ponto de encontra da noite da Capital. Instalado em um galpão, o lugar surgiu de uma inquietação, afirma Fernando Titton, 28 anos, um dos sócios.

- Temos um outro bar, na Vasco da Gama Desde que o Sartori anunciou o fim da TVE e da FM Cultura, nossos amigos músicos começaram a falar que iriam perder espaço para divulgação de seus trabalhos. Começamos a visitar o 4° Distrito e procuramos diversos imóveis. Até que um cliente da Vasco ouviu uma conversa e nos avisou de um lugar. Adoramos o local - relata.

Segundo Titton, Porto Alegre precisa de lugares para as pessoas socializarem. Com o tempo, Cidade Baixa, Padre Chagas e Zona Sul se tornaram nichos frequentados por gente que pouco se relacionava. A opção pelo 4° Distrito visa a evitar um rótula.

- Buscamos um campo neutro para não estigmatizar.

Agulha é para furar essas bolhas e costurar esses grupos - explica Titton. Segundo o empreendedor, a ideia de que os imóveis na região são baratos está equivocada. Titton garante que deparou com preços inflacionados, o que freia o surgimento de novos negócios. O pavilhão em que se instalou foi alugado diretamente com o proprietário.

Recém chegado, o Agulha começa a se inserir na comunidade empreendedora do 4° Distrito. Titton argumenta que existe bastante troca de informações e ideias entre os novos empresários locais, especialmente para cooperação em eventos conjuntos, segurança e lançamento de novos produtos. Para o futuro, a ideia é se beneficiar do fato de a Rua Conselheiro Camargo, no bairro São Geraldo, ser sem saída: - Temos um projeto de melhorar avia com mobiliária Temos essa utopia de um local para a cidade. A segurança em Porto Alegre vai voltar com a ocupação das ruas.