10/02/2018
Zero Hora
Caderno Campo & Lavoura | Pág. 4
Clipado em 15/02/2018 11:02:38
Rumo ao Exterior
Abertura de novos mercados e câmbio favorável estimulam embarques de maçã este ano

Marcada por altos e baixos ao longo da última década, a exportação gaúcha de maçã deve iniciar novo ciclo de expansão. É o segundo ano consecutivo de alta nos embarques, que em 2017 chegaram a 34,4 milhões de quilos da fruta e geraram receita de US$ 27,3 milhões, segundo a Fundação de Economia e Estatística (FEE). Resultado de frustrações com a colheita e câmbio desfavorável, as oscilações nas vendas externas de anos anteriores dão lugar agora à confiança na expansão, com a recente abertura de novos mercados, principalmente na Ásia.

As vendas do Rio Grande do Sul têm como única origem Vacaria, cidade que detém mais de 20% da produção nacional e 80% das exportações brasileiras de maçã. No município da região dos Campos de Cima da Serra, as empresas estão otimistas com as projeções de negócios. Com 1,1 mil hectares de pomares e expectativa de colher 52 milhões de quilos da fruta, a Rasip pretende quintuplicar o volume embarcado neste ano.

- Temos o objetivo de exportar entre 10% e 20% da safra, já que o câmbio está bom e temos produção. A ideia é embarcar até 10 milhões de quilos. No ano passado, exportamos 2 milhões de quilos - diz Celso Zancan, diretor de fruticultura da Rasip, empresa do Grupo Randon.

Entre os principais compradores da Rasip estará a Índia, país que, no final do ano passado, flexibilizou exigências fitossanitárias e passou a permitir a importação da maçã brasileira. Apenas para os indianos, a marca enviará 2 milhões de quilos da fruta, quantidade que deve ser ampliada nas próximas temporadas. Esse movimento deve contribuir para que o faturamento cresça 30% e atinja R$ 150 milhões, sendo que mais de R$ 20 milhões da exportação.

Outros destinos com negócios expressivos encaminhados pelos produtores vacarienses são Bangladesh, Rússia e Emirados Árabes Unidos. Recentemente, esses países se consolidaram como alguns dos principais compradores da maçã gaúcha. A partir da ascensão dos destinos do Oriente Médio e da Ásia, a Europa passou a ficar em segundo plano.

ALTERNATIVA AO MERCADO INTERNO

Na projeção da Associação Brasileira de Produtores de Maçã (ABPM), o Rio Grande do Sul deve exportar até 40 milhões de quilos em 2018. Além da alta do dólar e dos novos mercados, outro fator deve impulsionar a exportação da fruta vinda dos pomares brasileiros: a situação dos produtores europeus, que sofreram com a geada e terão menos maçã para venda.

- A possibilidade de exportar neste ano é maior devido à falta de fruta na Europa. Isso contribui para ampliar mercado fora do Brasil - aponta Pierre Pérès, presidente da ABPM.

O momento favorável fará com que a Frutini, também de Vacaria, ensaie o retorno ao Exterior. A empresa chegou a trabalhar com exportação em 2009, mas desistiu pela pouca atratividade naquele momento. A intenção é embarcar em torno de 650 toneladas da fruta para a Ásia. Os detalhes do negócio ainda estão sendo encaminhados, mas o movimento será realizado em conjunto com outros empreendedores.

O diretor comercial da Frutini, Vinicius Sperotto, ressalta que a companhia exportará em caráter experimental. Dependendo dos resultados, essa deve se tornar uma nova fonte de receita nas safras seguintes.

- No ano passado, a comercialização no mercado brasileiro foi complicada, pois houve alta produtividade. Estamos buscando a exportação como alternativa para tirar a pressão do mercado interno - explica.

Com 500 hectares de pomares espalhados por Bom Jesus, Muitos Capões e Vacaria, a Frutini fatura em torno R$ 60 milhões ao ano, valor que pode crescer com as transações internacionais.

Safra deve cair para 480 milhões de quilos em razão da falta de frio
Após safra recorde em 2017, a maçã terá menor volume de produção neste ano no Rio Grande do Sul. Antes do início da colheita, a Associação Brasileira de Produtores de Maçã (ABPM) estimava a produção de 520 milhões de quilos de fruta nas macieiras gaúchas. Agora, a projeção é de algo em torno de 480 milhões de quilos, resultado inferior aos 506 milhões de quilos obtidos no ano passado, mas dentro da média histórica.

- Neste ano, a quebra maior é na fuji (deverá passar de 189 milhões a 160 milhões de quilos). É algo normal. A fuji oscila mais, produz bem em um ano e no outro cai - aponta Eliseu Zardo Boeno, presidente da Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi).

Na variedade gala, principal do Estado, a colheita tende a manter patamar semelhante a 2017, quando rendeu 281 milhões de quilos.

Atualmente, o Rio Grande do Sul responde por 45% da produção brasileira e está atrás apenas de Santa Catarina, que detém 50% do mercado.

O supervisor da Estação Experimental de Fruticultura de Clima Temperado da Embrapa, em Vacaria, Adalécio Kovaleski, relata que a fruta foi afetada pela falta de frio no inverno. Ele lembra que no município foram cerca de 280 horas de temperatura abaixo dos 7,2°C, quando para a variedade gala recomenda-se mais de 500 horas e, na fuji, acima de 600.

- O inverno fraco vai render uma fruta de menor qualidade e menor tamanho - conta Kovaleski.

Por outro lado, o pesquisador informa que não há ocorrências graves de pragas nos pomares. Não houve incidência de granizo no Estado, algo que prejudicou muitos produtores em 2017. Alguns deles, na ocasião, perderam mais de 30% da área plantada por conta de chuva de pedra.

Mais de 10 mil safristas contratados para a colheita
Já é tradição. A cada início de ano, milhares de pessoas chegam a Vacaria para trabalhar na colheita. Apenas este ano, conforme a Agapomi, serão entre 10 mil e 12 mil safristas. Grande parte desse contingente chega ao município no final de janeiro e fica até o início de março, período da variedade gala. Uma parcela menor segue para lidar com a fuji, entre meados de março e abril.

Mais da metade dos temporários vêm de fora da Serra, principalmente de municípios da Fronteira Oeste, da região das Missões e de cidades catarinenses e paranaenses. Há aqueles que percorrem uma distância ainda maior e todos os anos garantem a colheita em Vacaria. É o caso do indígena Claudemiro Moreira, que desde 2013 se desloca da tribo terena, em Aquidauana, em Mato Grosso.

Com a experiência nos pomares, Moreira hoje é supervisor. Como os funcionários ganham também por produtividade, ele monitora se a fruta é colhida no ponto certo de maturação.

Em geral, um safrista pode ganhar até R$ 3 mil mensais, entre salário, horas extras e bônus. Na média, cada profissional fica na cidade por cerca de 45 dias.

A safra também abre espaço para novatos. Cerca de 20% da mão de obra não tem experiência, como Felipe Oliveira, de Santo Antônio das Missões. Ele chegou a Vacaria em janeiro, depois de colher uva em Monte Belo do Sul.

- O bom da colheita da maçã é que o trabalho tem carteira assinada, o que não ocorre com outras culturas - compara Oliveira.

Não à toa a formalização das admissões é regra. O Ministério do Trabalho, que realiza intensa fiscalização, já encontrou casos de trabalho análogo à escravidão. Atualmente, as contratações são encaminhadas com meses de antecedência ao início da atividade.

PARA FUGIR DA CRISE

A falta de oportunidades no município de origem é apontada pelos trabalhadores como o principal motivo para o deslocamento até a região. Natural de São Luiz Gonzaga, Ramon Bueno começou a colher maçã nos anos 1990 e ficou por uma década na atividade. Quando conseguiu emprego fixo, deixou o campo. Ao ficar sem trabalho no ano passado, Bueno retornou aos pomares:

- Voltei para a colheita da maçã porque na nossa região há crise, está difícil conseguir trabalho.