13/08/2012
Veja
Economia | Pág. 58
Clipado em 13/08/2012 00:08:55
Choque de capitalismo
A presidente Dilma Rousseff anuncia nesta semana um pacote para "desatar o nó Brasil": a privatização de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. Ela ouviu quem conhece melhor os problemas, empresários e investidores.

Na próxima quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff anunciará um conjunto de decisões de governo que, aplicadas à realidade, terão o efeito de um choque de capitalismo no Brasil. Numa escala inédita, o governo vai transferir para a iniciativa privada a construção e a administração de pelo menos cinco portos, 50000 quilômetros de rodovias, 12000 quilômetros de ferrovias e cinco aeroportos, incluindo os das principais capitais. É um grande passo na direção certa. Para montar o "pacote de indução do crescimento" nome-código do conjunto de seis planos no Palácio do Planalto, o governo fez o que deveria: reuniu alguns dos principais conhecedores dos problemas - pesos-pesados do empresariado brasileiro - e fez a pergunta certa: o que o estado brasileiro pode fazer para deixar de atrapalhar o desenvolvimento do país e passar a ajudá-lo a crescer? Com as respostas em mãos, Dilma convocou uma tropa de elite do governo para trabalhar nas soluções. Além do portentoso pacote de privatizações, o trabalho resultou numa série de medidas destinadas a reduzir o preço da energia elétrica e desonerar a folha de pagamento das empresas privadas. O plano será anunciado em etapas, estando a última prevista para daqui a quatro semanas.


O pacote começou a nascer em 22 de março deste ano, quando a presidente Dilma Rousseff se reuniu por três horas no Palácio do Planalto com 28 dos maiores empresários do Brasil. No início do encontro, perguntou aos convidados quais eram os problemas que dificultavam os seus negócios. De todos, ouviu reclamações que convergiam para uma mesma direção: falhas na logística e na infraestrutura, carga tributária pesada e as consequências da desvalorização do dólar diante do real. Para a presidente, ficou consolidada a certeza de que era necessária e urgente uma ação do governo para "desatar o nó Brasil", como ela passou a dizer. Desde então, a preparação de um pacote de crescimento se tornou a prioridade de sua agenda. Não houve uma semana em que o assunto não tenha sido tema de ao menos duas reuniões. Na semana passada, por exemplo, foram cinco encontros, que duraram mais de dez horas.

Em linhas gerais, o plano de privatizações prevê a mesma fórmula para todos os setores envolvidos: as empresas que vencerem os leilões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos terão de se comprometer com a execução de obras de qualidade e com uma administração eficiente (veja os detalhes dos projetos nas páginas seguintes). O governo espera atrair até 60 bilhões de reais em investimentos. O BNDES participará do financiamento dos empreendimentos, mas não como protagonista. Para viabilizar esse modelo, o governo levou em conta a economia feita com a diminuição da dívida interna, decorrente da redução da taxa de juros. Essa "folga de caixa" é o que, segundo o governo, possibilitará que ele abra mão de ser remunerado pelas privatizações. Como parte do contrato com as empresas vencedoras nas licitações, uma parcela do dinheiro que elas arrecadarem terá de ir para obras de melhorias nos setores administrados. Esse modelo de privatização não fará com que o estado encha seus cofres, mas permitirá que ele deixe de administrar projetos deficitários - e passe a se dedicar ao seu papel, de induzir o crescimento.


Com essas medidas, Dilma dá uma guinada radical no rumo seguido por seu antecessor e padrinho político. O governo Luiz Inácio Lula da Silva aumentou o tamanho do estado e o salário do funcionalismo. Dilma segue no sentido oposto - como também mostrou sua atuação diante da greve dos servidores públicos federais (veja reportagem na pág. 64). A autonomia da presidente em relação ao governo anterior ficou clara já na fase de preparação do pacote. De suas conversas sobre o tema, ficaram de fora os petistas mais radicais. Dilma preferiu ouvir auxiliares como Nelson Barbosa, secretário executivo do Ministério da Fazenda, e Luís Inácio Adams, advogado-geral da União. Fora do governo, ela consultou pessoalmente os empresários Jorge Gerdau, Eike Batista, André Esteves, Marcelo Odebrecht e Sérgio Andrade.


Inicialmente, Dilma queria lançar a série de projetos no começo de 2013. Mas, assim que soube dos resultados pífios da economia no primeiro trimestre e da perspectiva sombria para os períodos seguintes, resolveu pôr o pé no acelerador. "O ano de 2012 está perdido, agora temos de trabalhar para ganhar 2013 e 2014", afirmou em uma das primeiras reuniões de preparação do pacote.


Há ainda alguns pontos a esclarecer durante as próximas quatro semanas, quando os projetos serão lançados aos poucos (se alongar a repercussão de notícias positivas sempre foi um recurso eficiente para os governos, em tempos de julgamento de mensalão ele é obrigatório). A questão da desoneração da folha de pagamento das empresas privadas é uma das que não encontraram solução definitiva ainda. A hipótese mais provável é compensar o gasto das empresas com direitos trabalhistas com mudanças na cobrança do imposto de renda. Neste fim de semana, duas reuniões estavam marcadas para que o tema fosse discutido.

Contrastando com a firmeza das medidas a ser anunciadas está a hesitação do Palácio do Planalto em usar a palavra privatização, cuidadosamente evitada e substituída pelos termos "concessão" e "parceria". A preocupação reflete uma certeza do governo - a de que o pacote encontrará resistência inclusive em seu próprio partido, o PT, quando os projetos de lei e as medidas provisórias referentes a ele tiverem de ser votados no Congresso. Espera-se que o governo a enfrente com a determinação demonstrada até agora.


Rodovias


50 000 km para a iniciativa privada

Em 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso privatizou a principal rodovia do Brasil, a Dutra, que liga o Rio a São Paulo. O vencedor foi o consórcio que ofereceu a maior remuneração à União. E o valor arrecadado foi utilizado para amortizar a dívida pública. Onze anos depois, o governo Lula concedeu 2600 quilômetros de rodovias federais, entre elas a Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte. O critério utilizado foi diferente: ganhou o leilão quem ofereceu a menor tarifa de pedágio ao usuário. Dilma Rousseff considera que os dois modelos têm mais problemas do que méritos. Por isso, lançará um programa mais audacioso: a concessão de 50000 quilômetros de rodovias federais à iniciativa privada por meio de um sistema misto em que as empresas terão de pagar ao governo para ganhar a concessão. Mas o dinheiro pago, que, estima-se, chegará a 20 bilhões de reais, será utilizado em obras a ser feitas nas próprias estradas.


O valor do pedágio será levado em conta, mas não vai ser mais o principal critério para vencer a disputa. É um esquema semelhante ao adotado pelo estado de São Paulo na privatização de rodovias como a Imigrantes e a Anchieta. Dos 50000 quilômetros de rodovias a ser privatizados, 5000 ainda terão de ser construídos. Os outros 45000 já existentes deverão ser recuperados e, em alguns casos, duplicados pelas empresas vencedoras. Para a recuperação, os trechos prioritários são Belo Horizonte-Vitória e Goiânia-Palmas. Os casos de duplicação são o da Dutra. na Serra das Araras, e o da BR-101, na Bahia. Empresas estrangeiras poderão participar, menos aquelas cujos serviços vêm sendo considerados insatisfatórios, como a espanhola OHL, administradora da Fernão Dias.


Ferrovias


Para escoar mais, trilhos em dobro

Uma queixa unânime dos empresários ouvidos pela presidente Dilma Rousseff foi a dificuldade em escoar a produção, principalmente por causa da falta de uma rede ferroviária eficiente. Na próxima quarta-feira, Dilma anunciará um projeto que tem por meta dobrar a malha ferroviária brasileira em um período de seis a oito anos. Hoje, o país tem apenas 12000 quilômetros de estradas de ferro em funcionamento - um número insignificante perto dos 35000 quilômetros da Argentina e dos mais de 200000 dos Estados Unidos. Além de pequena, a rede é ultrapassada, já que cerca de 40% dela foi construída há mais de sessenta anos.


O projeto de ampliação e modernização é simples. O governo definirá os trechos que devem ser construídos ou readequados. Os interessados não precisarão pagar nada à União, apenas se comprometer a construir com rapidez e administrar com eficiência o sistema. A expectativa no Palácio do Planalto é que o leilão atraia até 20 bilhões de reais em investimentos. Os principais trechos a ser desenvolvidos são a Ferrovia de Integração Centro-Oeste, de 1600 quilômetros, que ligará Campinorte, em Goiás, a Vilhena, em Rondônia, e o Ferroanel de São Paulo, que ligará Campo Limpo Paulista ao Porto de Santos. Também serão reformados trechos importantes, como Rio de Janeiro-Vitória e Belo Horizonte-Salvador.

Quem Dilma ouviu no governo


Beto Vasconcelos

O secretário executivo da Casa Civil é filho de um companheiro de guerrilha de Dilma e foi responsável pela elaboração da parte legal dos projetos de privatização


Guido Mantega


Ministro da Fazenda, é historicamente contrário às privatizações, mas auxiliou Dilma nas questões econômicas, principalmente na desoneração da folha de pagamento

Luciano Coutinho


Presidente do BNDES, que financiará parte do projeto, foi um emissário do governo para convencer alguns dos principais empresários do país a participar das obras


Luís Inácio Adams


Advogado-geral da União, foi escalado pela presidente Dilma para encontrar saídas jurídicas que evitem futuras contestações aos projetos de privatização

Nelson Barbosa


Secretário executivo do Ministério da Fazenda. é o responsável pela parte técnica do projeto, mostrando de onde pode sair a compensação pelos cortes de impostos


Portos


Construir novos e privatizar os velhos

Nos últimos anos, o Brasil vem batendo sucessivos recordes de safras agrícolas. As importações também crescem anualmente. Mas a falta de portos eficientes é um gargalo que atrasa embarques e desembarques e aumenta o custo Brasil. Para desatar esse nó, o governo atuará em três frentes, que devem render até 10 bilhões de reais em investimentos. A primeira é a construção de novos portos - em Ilhéus (BA). Vitória (ES) e Manaus (AM) - no mesmo modelo das ferrovias: as vencedoras das licitações constroem, administram e nada repassam ao governo. A segunda é a privatização de dois portos federais, o de Vitória e o de Salvador. Há pendências jurídicas a ser resolvidas, mas a intenção é também conceder à iniciativa privada a parte federal de portos mistos, aqueles administrados em conjunto com os estados, como Santos e Paranaguá. Por fim, o governo quer permitir que empresas donas de portos privados, como a Vale e a OGX, abram suas instalações para outras exportadoras em épocas de entressafra. Para isso, reforçará a agência reguladora do setor, que definirá tarifas e arbitrará conflitos.


Aeroportos


Mais exigência para espantar os nanicos

Na avaliação do governo, as concessões para a administração dos aeroportos de Brasília, Campinas e Guarulhos, definidas em fevereiro, fracassaram. Só empresas de países periféricos venceram as disputas, o que foi atribuído ao baixo teor de exigência dos leilões. Na ultima semana de agosto, o governo anunciará a privatização de três novos aeroportos: Galeão (RJ). Confins (BH) e um terceiro no Nordeste (Salvador ou Recife), que será ampliado para virar uma central regional de conexões. Para evitar o erro anterior, definiu-se que se exigirá dos interessados experiência na administração de aeroportos com movimentação superior a 30 milhões de passageiros por ano (antes, o limite era de 5 milhões). Já há conversas com operadores de Chicago, Paris, Frankfurt e Bangcoc para que entrem na disputa. Os vencedores farão obras de ampliação e se responsabilizarão pela operação em troca das taxas de administração e da arrecadação dos estacionamentos. Em uma segunda etapa, o governo deve privatizar Santos Dumont (RJ) e Congonhas (SP). Ao final do processo, à Infraero sobrará apenas a administração de aeroportos regionais.


Quem Dilma ouviu no empresariado


André Esteves

Em conversas com Dilma e representantes do governo, o banqueiro admitiu a possibilidade de montar um fundo para investir nos projetos de privatização


Eike Batista


Empresário mais rico do Brasil, o dono da holding EBX já investe em infraestrutura e vai participar dos novos projetos do governo


Jorge Gerdau


Coordenador da Câmara de Gestão e Planejamento do governo federal. foi o principal conselheiro da presidente na elaboração do programa de privatizações e isenções


Marcelo Odebrecht


Dono da maior empreiteira do Brasil, aconselhou a presidente a colocar cláusulas que dificultem a participação de empresas estrangeiras que prestam serviços ruins no país


Sérgio Andrade


Presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, assegurou ao governo que sua empresa tem dinheiro em caixa e interesse em investir em portos, aeroportos e rodovias


Energia


Menos impostos para reduzir a conta

No pacote do governo, há um item que pode ter impacto direto no bolso do consumidor: o que visa a reduzir o preço da energia. Embora a matriz energética nacional seja das mais baratas do mundo, as tarifas estão entre as mais caras. Isso porque, de cada 100 reais que o consumidor paga na conta de luz, 45,08 reais são impostos. O plano do governo para resolver o problema se baseia em duas medidas. A principal será a oferta, para algumas empresas, de antecipação da renovação das concessões de 2015 para 20 13. As que aceitarem evitarão o risco de enfrentar concorrentes daqui a três anos. Em troca, o governo quer que diminuam seus preços em até 20%.


O argumento: não é mais preciso fazer investimentos pesados e as condições econômicas são melhores do que nos anos 90, quando os contratos foram firmados. Entre as concessionárias envolvidas estão a Cesp, a Eletrobras e a Cteep, que respondem por 30% do sistema. As empresas viram a proposta com bons olhos, mas querem uma redução menor. A segunda medida se baseia na diminuição da carga tributária. O governo federal aceita retirar alguns tributos (como a reserva global de reversão e a conta de desenvolvimento energético) e tenta convencer os estados a reduzir a alíquota do ICMS do setor em troca, por exemplo, do aumento do limite de endividamento. Está ainda em discussão se a redução deve beneficiar só grandes produtores, o que reduziria o custo Brasil e teria impacto na cadeia produtiva, ou também os consumidores, o que renderia dividendos eleitorais para Dilma em 2014.


Os sindicalistas fincam pé. E Dilma segue dizendo não


Os efeitos da maior greve dos funcionários públicos federais em quase uma década agravaram-se nesta semana, mas a disposição da presidente Dilma Rousseff permanece a mesma: não ceder. São ao menos 300000 servidores parados (de um total de 780000), pelas contas dos sindicatos. E como se quatro em cada dez funcionários públicos estivessem de braços cruzados no Brasil. A paralisação começou nas universidades federais, há mais de três meses, e se alastrou por quase trinta órgãos governamentais.
Há dois movimentos a impulsionar essa onda. O primeiro é a antiga desconexão de sindicatos com a realidade. A queda da taxa dos juros nos últimos meses reduziu o gasto do governo com a dívida pública e abriu uma folga no caixa estimada em 1,5% do PIB. Esse dinheiro será precioso para enfrentar os efeitos da crise econômica internacional. Mas os grevistas têm outros planos. Farejando a verba extra, pretendem engordar seus salários. Os anseios, pelo menos sob um aspecto, se justificam: o governo Lula tratou o funcionalismo a pão de ló, com aumentos lineares em 2006 e 2008. O salário inicial dos auditores da Receita, por exemplo, saltou de 5000 para 13600 reais entre 2003 e 2010, um aumento 55% acima da inflação. Nas agências reguladoras, a maior remuneração de técnicos passou de 8000 para 17000 reais, um ganho real de 36%. Aos servidores, não agrada o fato de que a festa tenha acabado. O segundo movimento a alimentar a greve foi a falta de coordenação do próprio governo federal, que permitiu que as paralisações se espalhassem ao encurralar grevistas sem lhes dar a chance de uma saída negociada. Só nos últimos dias Dilma decidiu escalar o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para conversar com os rebelados.


A presidente resolveu negociar, mas não ceder. Não descarta nem mesmo a hipótese de ir à TV mostrar as contas do governo para emparedar os grevistas. O Palácio do Planalto aposta que as greves se enfraquecerão a partir do fim do mês, quando a proposta de orçamento do ano que vem vai para o Congresso - pondo fim ao prazo legal para aumentos salariais. A proposta segue a mesma: reajuste baseado na inflação, por volta de 5%. O governo admite que algumas carreiras podem ter aumentos maiores, como a dos professores e dos policiais federais. Para além das questões pontuais, existe um problema de fundo a ser resolvido. A Constituição de 1988 garantiu o direito de greve aos funcionários públicos, mas estipulou que uma outra lei deveria regular essas paralisações, definindo questões como quantos servidores devem continuar a trabalhar para manter os serviços e quando haverá desconto dos dias parados. Ocorre que essa lei complementar nunca saiu. O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) apresentou um projeto sobre o tema em 2011, mas o texto está parado. É uma boa hora para desengavetá-lo.

OS PROBLEMAS QUE OS GREVISTAS JÁ CAUSARAM


As greves mobilizam ao menos 300000 dos cerca de 780000 servidores do governo, segundo os sindicatos.


Anvisa

Falta de medicamentos nas farmácias e de kits para exames em hospitais, por causa do atraso na liberação dos produtos em portos e aeroportos


Justiça Federa

Atrasos em processos e julgamentos no Distrito Federal, em São Paulo e em Mato Grosso


Polícia Federal

Suspensão da emissão e da renovação de passaportes

Longas filas nos aeroportos em razão da operação-padrão da PF


Polícia Rodoviária Federal

Maior congestionamento nas estradas provocado pelo aumento da fiscalização


Receita Federal

Produtos importados, como roupas e perfumes, ficaram mais caros ou em falta - o tempo de liberação pela Receita aumentou de um para cinco dias


Ministério do Trabalho

Atraso na emissão da carteira de trabalho e na oficialização de contratações e demissões


Quem tem medo do mercado?


Nenhum outro sistema da história humana foi mais revolucionário e tirou mais gente da miséria do que o capitalismo. mas o bacana é posar de crítico engajado em alternativas que ninguém sabe quais, para que ou como implementá-las
AIguns entrevistados ouvidos por VEJA para a reportagem de capa desta edição disseram que a presidente Dilma Rousseff foi corajosa em recorrer à iniciativa privada em busca de soluções técnicas e recursos para desatar nós que há décadas impedem a economia brasileira de crescer com todo o seu potencial. Corajosa por quê? Primeiro, porque ela e seu antecessor, mesmo governando com pragmatismo, foram eleitos com a retórica antimercado, e, portanto, não cai politicamente bem recorrer à iniciativa privada em busca de soluções para grandes problemas do país. Segundo, porque o capitalismo nunca venceria uma competição de popularidade em nenhum segmento mais expressivo da população brasileira e mundial. Sua imagem é especialmente ruim agora que o sistema de livre mercado vem sofrendo inevitáveis condenações por seu papel decisivo na eclosão da crise financeira de 2008 em Wall Street e pelo resultante desarranjo produtivo que desestabilizou as economias reais de virtualmente todos os países.

Desde que foram criadas as condições materiais, tecnológicas, culturais, políticas e legais para sua instalação na Inglaterra, há menos de 200 anos. o capitalismo é criticado. Como a matéria e a antimatéria na teoria física, o surgimento do primeiro capitalista gerou o primeiro anticapitalista. Tem sido assim. Provavelmente. sempre será assim. Em todos os tempos da era industrial e pós-industrial, o bacana mesmo foi ser uma pessoa engajada em uma alternativa ao capitalismo. Antes foram o anarquismo e o marxismo e suas representações reais catastróficas, os governos comunistas. Agora é um certo ambientalismo extremista, que prega a volta da humanidade aos tempos das cavernas, algo tão impraticável quanto empurrar a pasta de dentes de volta para o tubo.


Não é de hoje que a crítica justa e necessária aos excessos do capitalismo é apenas um aperitivo para a negação total e utópica do sistema. Sob esse ponto de vista. tem razão quem acha que a presidente Dilma precisou de coragem para anunciar a adoção de práticas do livre mercado em seu governo, por meio de associação com empresas privadas dentro da regra do jogo de mercado. Hoje em dia, governantes de qualquer país têm quase de pedir desculpas quando. a exemplo de Dilma. recorrem às virtudes da livre-iniciativa - eficiência, gestão, controle de gastos e compromisso com resultados. Na Inglaterra, berço do capitalismo, também é assim. O show de abertura da Olimpíada de Londres foi um exemplo recente. O ator Kenneth Branagh interpretou Isambard Kingdom Brunel, engenheiro do século XIX. ícone do capitalismo clássico: construtor de pontes, estradas de ferro, túneis e navios a vapor. Mostrado de fraque e charuto na mão, como os capitalistas de caricatura, Brunel teve suas realizações esquecidas no show olímpico em favor de chaminés fumarentas e operários explorados. É preciso ter coragem para celebrar o capitalismo, sistema econômico que está longe de ser perfeito, mas, a exemplo da democracia na política, é melhor do que todos os demais.