23/12/2013
Jornal do Comércio
Economia | Pág. 16
Clipado em 23/12/2013 05:12:49
Lei de Competências Ambientais precisa de regulamentação

Sancionada em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, a Lei de Competências Ambientais (Lei Complementar 140) foi criada com o objetivo de tornar mais claros os papéis da União, dos estados e dos municípios no licenciamento ambiental, na supressão vegetal e na fiscalização.

Porém, segundo o advogado gaúcho Gustavo Trindade, um dos autores do anteprojeto da lei, a atual ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, não assumiu a lei, que carece de regulamentação e de um maior detalhamento do que cabe a cada esfera licenciar.

Sócio do escritório Trindade & Lavratti, que presta assessoria a empresas na área ambiental, Trindade foi chefe do Departamento Jurídico do Ministério do Meio Ambiente.

Em sua avaliação, a demora acontece porque existe muita desinformação e resistência de setores da sociedade e do Judiciário em relação a ela.

Lei de Competências Ambientais precisa de regulamentação

Jair Stangler
GUSTAVO VARGAS/DIVULGAÇÃO/JC
Trindade explica que a lei complementar surgiu para definir quando cada órgão deve agir
Trindade explica que a lei complementar surgiu para definir quando cada órgão deve agir

Sancionada em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, a Lei de Competências Ambientais (Lei Complementar 140) foi criada com o objetivo de tornar mais claros os papéis da União, dos estados e dos municípios no licenciamento ambiental, na supressão vegetal e na fiscalização. Porém, segundo o advogado gaúcho Gustavo Trindade, um dos autores do anteprojeto da lei, a atual ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, não assumiu a lei, que carece de regulamentação e de um maior detalhamento do que cabe a cada esfera licenciar. Sócio do escritório Trindade & Lavratti, que presta assessoria a empresas na área ambiental, Trindade foi chefe do Departamento Jurídico do Ministério do Meio Ambiente. Em sua avaliação, a demora acontece porque existe muita desinformação e resistência de setores da sociedade e do Judiciário em relação a ela.

Jornal do Comércio - O que é a LC 140 e o que ela mudou em relação à legislação anterior?

Gustavo Trindade - Um dos grandes problemas relativos a temas ambientais é saber o que cabe ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) fazer, o que cabe aos estados e o que cabe aos municípios. Em 2006, fiz uma pesquisa junto aos tribunais e descobri que 70% das ações judiciais tratavam de temas que envolviam competências dos órgãos ambientais. Muitas vezes se discutia, especialmente fora do Rio Grande do Sul, sobre a competência ou a possibilidade dos municípios darem licença para atividades de menor impacto. Outras vezes se tentava retirar o licenciamento do órgão estadual e passar para o Ibama. A Constituição Federal, no seu artigo 23, que fala das competências da União, dos estados e dos municípios para tratar do meio ambiente, diz que essa atuação deve se dar de forma cooperada. A LC 140 surgiu para definir essas formas de cooperação, estabelecendo quando age cada órgão. Isso se deu fundamentalmente para três temas importantes: a quem cabe dar o licenciamento ambiental; a quem cabe autorizar a supressão de vegetação; e quem faz a fiscalização ambiental. A LC 140 diz, por exemplo, que compete aos municípios fazer o licenciamento das atividades de impacto local. Diz também que cabe aos conselhos estaduais regrar e fazer uma lista das atividades de impacto local. Ao Ibama compete licenciar atividades localizadas na fronteira do Brasil com outro país, na divisa entre estados, e licenciar uma série de empreendimentos listados num decreto federal de acordo com atividade, porte e potencial poluidor.

JC - Ainda existem pendências em relação à LC 140?

Trindade - A lei completou dois anos agora e, até hoje, não houve uma definição por parte do governo federal de quais são as matérias que devem ser submetidas ao licenciamento ambiental do Ibama. Seria um decreto federal elaborado a partir de uma proposição tripartite, que reuniria representantes da União, dos estados e dos municípios. Também não existe qualquer tipo de regulamentação, seja das tipologias ou um detalhamento maior para a aplicação da lei. No ano passado, meu escritório foi contratado pela Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), e já fizemos uma minuta de decreto para regulamentar toda a LC 140. Isso foi entregue à ministra do Meio Ambiente e nada se fez. A ministra não assumiu a LC 140. Parece-me que há uma aversão do ministério às exposições da LC 140 e isso tem deixado parada qualquer regulamentação dessa lei.

JC - Por que isso ocorre?

Trindade - Muito por desconhecimento da norma e muito porque hoje o Ibama licencia o que ele quer sem uma definição objetiva. Muito se falou no enfraquecimento do Ibama a partir da LC 140. No meu entender, isso não existiu. A LC 140 diz que quem dá a licença é quem fiscaliza. Por isso, diziam que o Ibama perderia poder de fiscalizar, especialmente na região Norte do País, onde ocorrem os grandes desmatamentos. Só que a grande maioria das atividades que causam o desmatamento na Amazônia e em outros locais do País são ilegais. E, no caso dessas atividades, a competência ambiental continua sendo comum da União, do estado e do próprio Ibama.

JC - O poder econômico não exerceria uma pressão maior sobre os municípios?

Trindade - O Ministério Público Federal e o Ministério Público de São Paulo dizem que o estado ou o município são muito mais sujeitos à pressão econômica do que a União. Mas o município está limitado às atividades de menor porte. Para os estados, ficariam as de médio porte e as maiores ficariam para o Ibama. Além disso, a pressão político-econômica é muito parecida nas diferentes esferas. Quer mais pressão do que a Dilma chamar o presidente do Ibama e dizer que, se não licenciar (a usina de) Belo Monte, não vai ter energia no País?

JC - Já é possível notar alguma diferença no número de ações judiciais relacionadas a questões de competência?

Trindade - A lei ainda é muito pouco usada pelo Judiciário. Além da aversão do próprio Ministério Público, ela ainda é pouco debatida. Mas já começa a se fortalecer o licenciamento municipal. Aqui no Rio Grande do Sul, desde 1998, o Estado incentiva os municípios a licenciarem as atividades de impacto local. Dos 497 municípios do Estado, 392 fazem licenciamento. Em 2012, segundo o Tribunal de Contas do Estado, os municípios concederam 43 mil licenças. A Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul) emitiu, em 2012, 13.500 licenças. O Ibama, em 2009, quando bateu recorde de concessão de licenças, chegou a 240 em todo o País. O Ibama foi feito para os grandes empreendimentos. O grande peso do licenciamento é nos estados, e aqui nós temos conseguido, para aliviar um pouco a Fepam, fazer com que os municípios atuem. Santa Catarina também avançou e a Bahia está avançando. Mas há resistência em alguns estados, especialmente em São Paulo, por conta dessa aversão do MP.

JC - Como as empresas estão se adaptando a essa lei?

Trindade - A lei é mais direcionada aos órgãos de governo. Mas isso se repercute. Quando quero instalar um empreendimento, a primeira pergunta é o que devo buscar para o licenciamento ambiental. A lei dá clareza e mais segurança jurídica ao empreendedor. A lei afirma ainda que é só um procedimento de licenciamento para cada empreendimento. Antes era possível ter vários licenciamentos sobre a mesma atividade. A lei também deixa claro que quem licencia o empreendimento é responsável por avaliar e autorizar a supressão de vegetação. Antes, havia casos em que o licenciamento era do Ibama, mas a autorização para suprimir vegetação era do município. A fiscalização também: quem licencia é quem fiscaliza. Além disso, a LC 140 informa a possibilidade de renovação da licença prévia, da licença de instalação e da licença de operação. Até a LC 140, se eu não implantasse meu empreendimento no prazo da licença de instalação, deveria iniciar um novo processo para recebê-la.

JC - Existe alguma sobreposição da lei com o novo Código Florestal?

Trindade - A LC 140 tem uma hierarquia superior ao Código Florestal, já que regula diretamente o artigo 23 da Constituição. Mas o Código Florestal, mesmo sendo posterior à LC 140, traz uma série de disposições divergentes a respeito da competência para suprimir vegetação. Por exemplo, há uma quase indefinição sobre quem autoriza supressão de vegetação em área de preservação permanente. Não há tratamento disso no novo Código Florestal.