03/05/2016
Zero Hora
Sua vida | Pág. 24
Clipado em 03/05/2016 03:05:08
Silêncio no whatsapp mais uma vez
POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL, serviço de mensagens deve permanecer fora do ar até as 14h de quinta-feira. Empresa recorreu ontem à tarde e esperava que serviço fosse restabelecido logo

O WhatsApp foi bloqueado no Brasil na tarde de ontem por determinação judicial, dando aos usuários uma sensação de déjà vu – o aplicativo já havia enfrentado problemas com a Justiça em dezembro de 2015. Ele deve permanecer fora do ar por 72 horas, a contar das 14h de ontem, de acordo com decisão do juiz Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (SE), o mesmo que em março determinou a prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Dzodan. A decisão anunciada pela manhã determinou que as cinco principais operadoras de telefonia em atividade no Brasil – Tim, Vivo, Claro, Nextel e Oi – interrompam completamente o serviço de mensagens. Se desrespeitada, pode haver multa diária de R$ 500 mil. Ao final da tarde de ontem, o aplicativo de mensagens recorreu da decisão judicial.

De acordo com a Agência de Notícias do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), o magistrado atendeu a uma medida cautelar ingressada pela Polícia Federal, aprovada pelo Ministério Público, em razão de a empresa não ter atendido uma determinação de quebra de sigilo de mensagens trocadas no aplicativo para fins de investigação sobre crime organizado de tráfico de drogas em Lagarto.

A assessoria de imprensa do TJSE informou que o caso corre em segredo de Justiça, e, por isso, o juiz responsável pela decisão não comentaria o bloqueio do aplicativo. Procurada, a Polícia Federal também informou que o delegado Aldo Amorim, membro da Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Brasília, também não falaria a respeito do assunto.

Por meio de nota, o WhatsApp garantiu que coopera com as autoridades brasileiras “com toda a extensão de sua capacidade” e que a determinação pune mais de 100 milhões de brasileiros que dependem do serviço para se comunicar. A nota disse ainda que a Justiça tem forçado a empresa a entregar informações que ela não tem.

O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, também se posicionou. Ele afirmou que o bloqueio é uma medida desproporcional porque pune os usuários do serviço.

– O WhatsApp deve cumprir as determinações judiciais dentro das condições técnicas que tem. Mas, evidentemente, o bloqueio não é a solução – acrescentou.

Segundo Rezende, a Anatel não pode tomar nenhuma medida para restabelecer o serviço, porque não é parte da decisão judicial. O Ministério das Comunicações informou que não vai se posicionar neste momento sobre o bloqueio.

O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) informou que as prestadoras de serviços de telefonia móvel receberam intimação judicial e cumprirão a determinação da Justiça em todo o território nacional.

Ontem, usuários nas redes sociais alegaram que conseguiram usar o app, sem problemas ou interrupção, pela rede wi-fi, usando a banda larga fixa. As operadoras, no entanto, afirmaram que iriam bloquear o aplicativo inclusive na rede fixa e até ontem à noite não se manifestaram sobre a possível falha no bloqueio.


BLOQUEIO DE DEZEMBRO DE 2015 NÃO DUROU O TEMPO PREVISTO

Esta não é a primeira vez que ocorre bloqueio ao WhatsApp no Brasil. Menos de seis meses atrás, em dezembro de 2015, os brasileiros tiveram o amargo aperitivo de ficar sem o aplicativo de mensagens gratuitas.

À época, a Justiça de São Paulo determinou o bloqueio do app em todo o território nacional por 48 horas. O autor da ação, mantido em sigilo, pediu o bloqueio às empresas de telecomunicações em função de uma investigação sobre “quebra de sigilo de dados”. A medida cautelar foi imposta, sob pena de multa em caso de descumprimento, mas não durou o tempo previsto.

Nas primeiras 24 horas de bloqueio, o desembargador Nilson Xavier de Souza, da 11ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), determinou a liberação do app em todo o Brasil. A decisão do desembargador Xavier de Souza defendeu que, “em face dos princípios constitucionais, não se mostra razoável que milhões de usuários sejam afetados em decorrência da inércia da empresa”. O bloqueio teria ocorrido porque o Facebook, que é dono do WhatsApp, não forneceu informações solicitadas pelo Ministério Público de São Paulo em meio a uma investigação criminal.

"O WhatsApp está respeitando a Constituição e o Marco Civil, e está sendo punido por isso, o que cria um ambiente de insegurança jurídica. Como outras empresas, esse serviço não é responsável pelo que os usuários postam. É só um veículo. A gente está matando o mensageiro em vez de buscar quem emitiu a mensagem". Leandro de Mello Schimiit - Professor da Unisinos e especialista em direito digital

"Essas grandes empresas do setor precisam ter estrutura para lidar com essas situações. As operadores de telefonia já obedecem essas solicitações. Continuar com essa abordagem pode resultar na suspensão definitiva do serviço no Brasil". Patrícia Peck Pinheiro - Advogada especialista em direito digital.

A DETERMINAÇÃO PUNE MAIS DE 100 MILHÕES DE BRASILEIROS, SEGUNDO NOTA DO WHATSAPP


Bloquear o aplicativo está previsto no Marco Civil da Internet?

O juiz Marcel Montalvão expediu a decisão que determinou o bloqueio do WhatsApp baseado em quatro artigos da Lei do Marco Civil da Internet, de acordo com Tribunal de Justiça do Sergipe. Ao determinar a punição, o juiz teria se apoiado nos artigos 11, 12, 13 e 15 da lei 12.965, em vigor desde 23 de abril de 2014, que tratam da proteção, sigilo e armazenamento dos dados por provedores de conexão e de aplicações de internet. Especialistas ouvidos por Zero Hora divergem a respeito do tema mas concordam em um ponto: o maior prejudicado com a decisão judicial é o usuário do aplicativo.

Para o advogado Leandro de Mello Schimitt, professor da Unisinos e especialista em direito digital, a decisão expõe um conflito entre o que é aceito pelo direito penal e o que está previsto no Marco Civil, e “agride” a Constituição Federal. As sanções possíveis previstas no documento, segundo o especialista, só podem ser aplicadas em caso de as empresas agirem em desacordo com o que está previsto nos artigos 10 e 12 do Marco. Os artigos referem-se à preservação da intimidade, da vida privada, da privacidade e da honra, além do sigilo de dados fornecidos pelos usuários.

– O WhatsApp está respeitando a Constituição e o Marco Civil, e está sendo punido por isso, o que cria um ambiente de insegurança jurídica. Como outras empresas, esse serviço não é responsável pelo que os usuários postam. É só um veículo. A gente está matando o mensageiro em vez de buscar quem emitiu a mensagem – diz.

O advogado também entende que a decisão não observou os princípios de proporcionalidade e razoabilidade, que o jurista deve levar em conta para tomada de decisões em caso de conflito, ao afetar milhões de usuários em favor da resolução de um processo criminal pontual:

– Me parece que o juiz fez uma interpretação isolada da lei que acabou prejudicando milhões de pessoas. As sanções precisam ser aplicadas da menos grave à mais grave, desde a advertência até a proibição de a empresa exercer a atividade no país. Esse juiz tentou as outras sanções antes de suspender o serviço?

Além dos usuários, observa Schimitt, as questões técnicas envolvidas no bloqueio do app são complexas, e tendem a prejudicar as operadoras de telefonia – que podem ser multadas em centenas de milhares de reais no caso de descumprimento da decisão.

Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS), Ricardo Breier considerou a decisão do juiz de Sergipe abusiva:

– É uma afronta (a decisão) ao nosso direito constitucional assegurado. Todo cidadão brasileiro tem direito ao acesso à informação. A coletividade não pode ser responsabilizada. Há outras ferramentas legais para responsabilizar os envolvidos.

De acordo com Breier, se o Facebook, dono do WhatsApp, não cumpriu uma determinação da Justiça, de fato, a empresa tem de ser responsabilizada, mas as aplicações devem ser feitas de forma direta.

– Uma ordem judicial não pode ser descumprida. Mas é preciso respeitar a proporcionalidade. O coletivo não deve ser onerado – disse.

PUNIÇÃO SERIA MAIS EFICAZ SE NÃO RECAÍSSE NO USUÁRIO

No início de abril, o WhatsApp anunciou que todas as conversas por meio do app seriam criptografadas, o que quer dizer que nem a empresa nem outras pessoas, como crackers, podem acessar as mensagens trocadas por meio do aplicativo. Isso não significa que o Facebook, dono do serviço, pode descumprir uma ordem judicial. No entanto, de acordo com o professor de Direito Constitucional da PUCRS, Carlos Alberto Molinaro, uma empresa não pode ser obrigada a fazer o impossível:

– Seria muito mais eficaz se a Justiça solicitasse os dados de tráfego e não o conteúdo. O conteúdo é impossível de ser enviado em razão da criptografia. Se o juiz pediu o conteúdo, o WhatsApp não tem como atender esses termos. Se pediu os dados de tráfego, mas não foi atendido, quem deveria ser punido é a empresa, e não milhões de pessoas. É mais eficaz se a punição pesar no bolso da empresa.

Diferentemente de Schimitt, Breier e Molinaro, a advogada especializada em direito digital Patrícia Peck Pinheiro acredita que a medida do bloqueio é respaldada pelo Marco Civil da Internet. Segundo a legislação, explica ela, as empresas precisam colaborar em caso de solicitação da Justiça, sob risco de penalização em caso de descumprimento – que podem ir desde multas, prisão de executivos, como ocorreu em março, com o vice- presidente do Facebook para América Latina, até a suspensão definitiva do serviço.

– Há a previsão legal. Não é abuso de autoridade – avalia a especialista.

Patrícia acredita que o novo bloqueio representa uma medida mais enérgica para que o Facebook mude a atitude em relação a casos semelhantes:

– Essas grandes empresas do setor precisam ter estrutura para lidar com essas situações. As operadores de telefonia já obedecem essas solicitações. Continuar com essa abordagem pode resultar na suspensão definitiva do serviço no Brasil.