17 de Novembro de 2023
  • Zero Hora
  • Almanaque Gaúcho
  • P. 32
  • 100.00 cm/col

Cinco décadas e meia de medicina

O texto a seguir é uma colaboração do médico e escritor Francisco Michielin, de 80 anos, que foi patrono da Feira do Livro de Caxias do Sul deste ano e tem 17 livros editados. O doutor Michielin nos informa ainda que, hoje, a sua antiga turma AD 68, estará confraternizando. Inicialmente, será feita uma revisitação nostálgica na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, às 10h, e, logo após, um almoço festivo no restaurante Pâtissier Marcelo Gonçalves (Rua Marquês do Pombal, 128, bairro Moinhos de Vento, na Capital).

No começo, no já remoto 1963, éramos quase todos estranhos. Poucos se conheciam. Pelas mais diversificadas razões: procedíamos de distintos lugares, cidades e colégios. Um e outro haviam estudado juntos no mesmo educandário, o que não era o caso da maioria. O restante provinha de múltiplas e espalhadas regiões, de modo que ainda não tínhamos nos cruzados em único dia de nossas vidas.

Éramos jovens, carregávamos uma saudável carga de idealismo, vocacionados, com a cabeça impregnada de projetos e impulsionados por ansiosos desejos de até transformar o mundo. Ao mesmo tempo, éramos líricos e folgados. Discutíamos todo e qualquer assunto nas mesas dos bares, prenunciando tempos politicamente conturbados. Sonhadores e rebeldes. Faltavam-nos os mecanismos apropriados para estabelecer a real aferição dos tantos parâmetros. Começávamos a aprender a aparar as arestas.

À medida que o curso médico avançou e se aprofundou, a mocidade nos embutia de maturidade. O nosso estado de alma rebrilhava luzes em lusco-fusco. Frequentemente se alternavam os altos e baixos, as certezas e as dúvidas. Precisávamos definir nossas escolhas. Quais especialidades nos atraíam? Carecia enxergar os clarões mais além das fronteiras do horizonte. Aos poucos, porém, formatamos argúcias e cautelas à custa de ingentes esforços, muito estudo e extrema dedicação. Não poupamos sacrifícios, e, assim, a turma desvendou os esconderijos da verdade e da vida.

Sim, podemos nos ufanar em termos sido bons e competentes médicos, dormindo o sono dos justos, com a consciência limpa e de pleno acordo com os preceitos hipocráticos. Nosso rebanho firmou conceito, solidificou reputação e tivemos o prestigioso reconhecimento da totalidade dos nossos pacientes. Vivemos dias felizes na quimera dos doces pássaros da juventude. Construímos uma amizade que se transformou em irmandade. Até hoje, convivemos numa soberba aliança de fraternidade. A gente se quer muito bem. E acabou que a nossa formatura se consumou em 1968 - o ano que mudou o mundo. Era dia 5 de dezembro e havíamos alcançado o apogeu universitário. A partir daí, cada um por si, deixando para trás a maravilhosa cavalgada, por obra do destino pessoal.

Hoje, missão cumprida, idosos e realizados, contemplamos as luzes e sombras de nossa trajetória. Quanto fizemos para chegar até aqui para sermos o que fomos, somos e sempre seremos! Graças aos céus por esses 55 extraordinários anos.